-por Otávio Silva
Pelo dicionário; razão é a disposição intrínseca do ser humano de conhecer, pelo espírito; de distinguir as idéias das coisas. Para a filosofia, é o objeto de estudo, bem como seus limites. Para Goya, é como um gato, tal qual o pintado no canto direito da obra. É, um gato e concordo totalmente com ele.
O título de sua pintura, datada do século 17 (mais fácil que algarismos romanos, eu reconheço que tenho dificuldades com eles), é El Sueño de La Razon Produce Monstruos, o qual eu me permiti fazer uma ampliação de seu sentido. Literalmente falando, a sua tradução é "o sonho da razão produz monstros", simplesmente. Mas vou tentar explicar o porquê do título do meu post.
Em um primeiro momento, é bom lembrar que a época em que a obra foi feita era dotada de um célebre contraste entre opostos. Luz e sombra, razão e emoção, material e abstrato, ciência e religião. E creio eu que Goya conseguiu, não sei se intencionalmente, de uma forma brilhante abranger tal oposição e ao mesmo tempo, acabar com ela.
Vemos na imagem, uma diferença entre o primeiro plano do quadro colorido e o fundo escuro, sem coloração definida ou significante. É o primeiro sintoma de sua época: o contraste entre a presença e ausência de cor é evidência da presença ou não da luz, uma vez que esta é condicional obrigatória para visualizarmos ou não as tonalidades.
Para os humanos, poucas são as condições necessárias para que os cinco sentidos aflorem e explorem o mundo exterior. Para outros animais, não é bem assim. Goya representou em seu quadro a coruja e o morcego, dois seres deficitários do ponto de vista da acepção do mundo externo. A coruja enxerga de noite, mas não de dia. E o morcego, tem audição aguda, mas já traz no nome a sua carência: é cego.
Parecem-nos evidentes algumas conclusões, então. Naquele contexto, reinava o iluminismo, corrente filosófica que pregava o racionalismo, o uso da razão como forma de iluminar a Idade das Trevas, dominado pela Igreja e suas explicações religiosas e dogmáticas para o mundo, nos séculos anteriores. Dessa forma, a ausência ou presença de luz representada pelas cores na pintura, comparam a idéia de luz ou sombra que o mundo fora dividido na época. E ao mesmo tempo, as deficiências dos animais retratados correspondentes à percepção, no comparecimento ou na falta de luz (razão) são respectivamente, o hiper-racionalismo e o irracionalismo, da Ciência e da Igreja.
Ficou faltando explicar a ampliação do título. Considero o sonho e o sono nocivos, simultaneamente. Isto, pois enquanto o primeiro é a extrapolação, os desejos e fins; o outro é a falta de vigilância e cuidado. Ou seja, acreditar estar puramente na razão – a Ciência, o hiper-racionalismo, a coruja, a luz – ou na religião – a Igreja, os dogmas irracionais, a emoção, o morcego, a sombra – a verdade das coisas, o sentido da vida, é estar cego, surdo ou incapaz para alguns aspectos.
Não que aqueles que tenham tais falhas de acepção não consigam sobreviver no nosso mundo. Claro que conseguem, mas tem dificuldades. Portanto, é preciso que sejamos atentos como um gato. Este ouve tudo e tem uma visão tanto noturna quanto diurna. Sabe dormir bem e descansar, mas também sabe estar acordado e vigilante. Sabe relacionar-se com o seu oposto, sem arrogância, como o faz seu primo selvagem, o tigre, e sem servilismo, como o faz o seu inimigo doméstico, o cachorro. Foi a alegoria que Goya achou para descrever essa simbiose de fé e razão e que racha com aquela visão dualística do mundo. É o ponto de equilíbrio, a justa medida, a mediana, o meio centro, o ponto médio etc. Como descreveria Aristóteles, mas isso já é conversa pra outro bar...
Bibliografia:
http://fotolog.terra.com.br/oza
http://pt.wikipedia.org/wiki/Francisco_de_Goya
http://pt.wikipedia.org/wiki/Ficheiro:Saturno_devorando_a_sus_hijos.jpg
http://pt.wikipedia.org/wiki/Saturno_devorando_a_un_hijo
História da Arte, Graça Proença. Editora Ática
Excelente!!!
ResponderExcluirMas lembrando que os gatos tbm são animais individualistas, com raras exceções...
Ás vezes é bom deixar se levar por uma sonho, não?