O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Piolho

-por Otávio Silva
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A chuva já passara e as pessoas começavam a sair de baixo da proteção que a própria estação de metrô representava. Esta era a cena quando, após eu descer as escadas rolantes, me virei em direção às catracas para voltar para casa, após mais un longo dia de trabalho, naquela segunda-feira.
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A camisa social cinza, que eu ganhei da minha mãe no natal passado, já flagrava o suor embaixo do braço pelo calor característico da época do ano. A gravata, eu já tirara e guardara no bolso, a fim de tentar amenizar a temperatura no empurra-empurra dentro dos vagões, normal para aquela hora do dia. Os sapatos e os cintos, apertadíssimos; meus pés já quase saltavam para fora, e a barriga, agora já fora da forma áurea da juventude, admito que também queria saltar. Meus óculos, apesar de embaçados pela umidade e transpiração minha e das pessoas ao redor, eu não podia nem pensar em tirar. Muito embora esquentavam minhas têmporas, fazendo-as suar ainda mais, sem eles, já faz tempo que eu não enxergo muita coisa.
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Saindo da escada rolante, passei a catraca e, em seguida, pela beira - ainda gotejante - do teto da estação. É impressionante como São Pedro agendou a chuva junto aos patrões das empresas de São Paulo para a mesma hora que os empregados saem do trabalho. Todo dia: aquela chuva era sagrada pra a rotina do trabalhador paulistano: estava prevista na CLT. Parei no senhor da pipoca que fica ali à tarde, debaixo do seu toldinho, se protegendo da chuva. Já me sentia mal pela falta de sal no corpo: o corte do almoço, por parte da dieta sugerida pelo médico, realmente fazia falta.
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Tentava fazer um certo malabarismo ao equilibrar o saco da pipoca e a carteira em uma das mãos e, ao mesmo tempo, com a outra, pegar e contar o troco. "Mista, com a salgada em cima, por favor!" falava em tom de voz alto um moleque ao meu lado. Eu me virei, terminando de guardar a carteira e vi que o menino mal alcançava o balcão improvisado do carrinho da pipoca daquele senhor. "Talvez por isso falava tão alto" pensei eu. Seu rosto denunciava sua idade: o rídigo contraste da pele lisa de jovem com algumas espinhas nas bochechas davam suporte para um emaranhado de cabelos que mais pareciam um ninho.
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Eu já me virara, me distanciara do senhor da pipoca uns dez metros, e já esvaziara o saco da pipoca pela metade, quando aquele moleque me cutucou na ponta do seu chinelo:
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- Tio, não é você quem trampa naquele banco da Avenida Paulista?
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Eu, primeiramente, me assutei. Depois, que mané, "tio"? "Tio" é o escambau! E ainda mais, como ele realmente sabia o meu emprego?
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- Não, sou eu não, moleque! respondi com muita insegurança.
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-É sim! Eu tenho certeza! fazia ele um estardalhaço com a descoberta. Não é você quem fica ali no último balcão da esquerda? dizia ele com uma certeza nos dentes.
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Meu Deus! Como é que esse moleque sabia isso?! E o que será que ele queria comigo?! Neguei denovo as perguntas dele, e tentando me desevencilhar do menino, quase escorreguei numa poça d'água que havia se formado e derrubei o resto das pipocas no chão!
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- Tio, foge não, tio! Eu sou seu fã! - bradava o menino, com um sorriso cada vez maior no rosto.
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Ele devia estar brincando comigo. Meu o quê? Meu fã? Em um primeiro momento, limpei as gotas de água da minha calça, empinei o nariz e caminhei leve pra casa, ignorando o menino. Imaginei-me de óculos escuros, cabelão, jaqueta de motoqueiro, igual aos meus ídolos da juventude! Ou então, de meia e calção suados, vestindo a camisa 10 do meu time de coração, com um monte de repórteres me rodeando na beira do campo. Mas aí lembrei das contas que ainda haviam a pagar, que me esperavam ansiosamente em casa, e caí em mim: se eu fosse de verdade alguma dessas figuras que, em um pequeno lapso de tempo, imaginei ser, não teria conta nenhuma a pagar, talvez nem mais me preocuparia com essas coisas, e, então, o moleque me acordou:
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- Tio, que custa? Eu só quero um autógrafo! - agora esbravejava, após ter roubado um guardanapo daquele carrinho de pipoca e ter voltado correndo.
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- Qual seu nome? - lhe perguntei, aproveitando que minhas mãos estavam vazias, por motivo do saquinho ter caído, e pegando uma caneta do bolso da camisa. Isto com a maior educação possível, considerando a minha vontade de chegar logo em casa e a clara impaciência com o guri.
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- Pode pôr "Piolho", tio, é assim que a molecada me chama aqui no bairro. - respondeu o agora tímido e recém-nomeado "Piolho".
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-Pronto!
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O papel chorava "Para o Piolho, um abraço do tio do banco da Paulista" com a minha assinatura embaixo. A fragilidade daquele papel perto de minhas canetadas violentas, acumulou alguns rasgos junto à assinatura, mas para o Piolho não tinha problema. Deu-me um sorriso, estendeu-me a mão. Cumprimentei-o de volta e vesti um sorriso por todo o caminho de casa.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Minha Futura Ex-Namorada

-por Otávio Silva

Um amor pode ser pra sempre. Pode sim, claro que pode. E também pode não ser. Tem até aquela pergunta: "se é pra terminar, pra quê começar?", mas quando se começa um namoro, e mesmo no meio dele, não dá pra saber se vai durar ou não. Por mais que um dos dois queira muito a eternidade ao lado do outro, não dá pra ter certeza. Nem se um dos dois não queira de jeito nenhum. Mesmo ainda que os dois queiram ficar juntos até o final da vida. Mas uma coisa é certeza: ex é pra sempre.
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Depois que o relacionamento acaba, o outro vira ex, e ponto. Não tem como mudar. Existe ex pentelho, que fica correndo atrás, enchendo o saco, agourando a antiga pessoa amada, até para esta não conseguir ter outro alguém. Porém também existe ex que não liga mais e desaparece. Mas são todos ex's.
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Isso porque mesmo que um dos dois já tenha se relacionado com outras pessoas, independente de quantas, nenhuma delas - desde a primeira, até a mais recente - deixarão de serem ex's. Mesmo ainda que todo tipo de sentimento e relação se esgotem.
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Inclusive se o sentimento se transforme a ponto de a relação mudar, para um tipo de amizade, sem segundas intenções, sem resíduos de mágoas, com as feridas curadas e tudo o mais. Vai continuar sendo ex. Ninguém se refere àquela pessoa com quem já teve algo sério, como "amigo(a)" para os próprios amigos, ou entes mais próximos.
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Ao mesmo tempo em que se acontecer daquela pessoa ficar com alguém conhecido, alguém vai falar: "Fulano ficou com a ex de beltrano!". Até se, um dia, um ex-casal reate, ouvirão que voltaram com o/a ex.
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É por isso que existem adjetivos que não cabem a alcunha de ex. Não existe ex-familiar: ex-pai, ex-mãe. Nem ex-amigo. Por mais que a pessoa já tenha morrido, ou tenham brigado, deixado de se falar, as pessoas costumam falar:
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-"Ah, ele era meu amigo."
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Ex já é outra coisa, outra palavra. E as palavras tem força de expressão própria, as palavras tem vida! Seja lá o que signifiquem exatamente...Por isso, é melhor tomar cuidado ao escolher seu possível próximo ex-namoro.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Inferno Astral

-por Otávio Silva


Era o amor se transformando em "bom dia". Eu estava pensando nela quando o celular tocou. O identificador de chamadas confirmou o meu pensamento: era ela. É... Ela bem que tinha mesmo dito que ia ligar. Demorou, mas ligou. Mas eu não quis atendê-la.
Nem um minuto passara que o celular parou de tocar e ela tornou a me ligar e eu, então, atendi de prontidão:
-Alô?!
Ela me respondeu "oi!" do outro lado, com a mesma voz meiga e doce que tinha ao telefone desde a primeira vez que eu tomei coragem de ligar pra ela. Perguntou-me se eu estava ocupado.
-Não, pode falar.
-E porque não me atendeu antes?
-Por que eu queria ver se você ligaria de novo. Ela riu e eu senti do outro lado da linha o seu sorriso de ternura. E eu continuei - É, foi pra ter certeza de que você queria mesmo falar comigo ou se foi só uma ligação do tipo: "olha, eu tentei te ligar, depois não diga que eu não tentei!"
E ela riu novamente, dessa vez de ironia:
-Não, claro que não, magina, eu nunca faria isso! Ela disse pra me provocar, pois sabia o quanto eu odiei todas as vezes que ela já havia feito - Quero mesmo falar com você! Meus parabéns pelo seu aniversário, querido! Te desejo tudo de bom e do melhor pra você e mais todos os mimos que você já deve ter escutado hoje, não é? Não se ache importante, mas é que você merece. Usou ela as mesmas palavras que usava há tanto tempo... Tempo que ficou pra trás.
-Brigado, foi só o que eu respondi, com um sorriso no rosto que eu sei que ela percebeu.
Um sorriso meio desbotado, ziguezagueando entre as nuances de cores próximas ao amarelo. Ficara realmente feliz com aquelas palavras e com aquela ligação. Depois de tantas vezes que ela tinha dito que ia me ligar e não ligara, mas dessa vez, ela ligou mesmo. De tanta gente que falou que ia ligar e não ligou, mas, pelo menos, dessa vez, ela ligou mesmo. De todos os mimos que eu já tinha mesmo ouvido e tantas coisas boas que pessoas tinham me desejado, dela era diferente. Ainda era diferente, depois de tanto tempo.
Eu apostaria comigo mesmo que se não atendesse todas as ligações de primeira, poucas seriam as que ligariam denovo. E eu sei que eu ganharia a aposta! E justo aquela que eu menos esperava que tornaria a ligar, tornou. Mas aquilo era pouco.
É engraçado como os sentimentos e relações mais profundas que você tem um dia, depois podem se transformar em um bom dia aqui, uma ligação no dia do aniversário ali, um cartão no natal acolá... Coisas simples, bonitas e que realmente importam, mas ainda assim pequenas. Insuficientemente pequenas.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Feliz Ano Novo

-por Otávio Silva

Só para constar, o ano de 2010 se despediu sorrindo. Seu último nascer do Sol foi muito mais bonito que o primeiro de 2011. Sorte de quem viu.

Inúmeros são os clichês dessa nobre época! "Ano novo, vida nova!", "o futuro já começou!", "feliz ano novo, adeus ano velho!", champagne, sementes de tudo quanto é coisa, pular ondinhas... Engraçado como a humanidade toda se reúne em torno de um dia, da mesma forma que a Terra gira em torno do Sol. E é justamente a cada trezentos e sessenta e cinco dias do início desse movimento, quando se completa a volta, inicia-se uma nova marca de tempo. Engraçado mesmo é comemorar tal data, seria uma forma de celebrar a mera continuidade de sobrevivência da espécie humana? E ao mesmo tempo em que é 2010 ainda aqui, já não é do outro lado do mundo, ou será que é ao contrário? Sei lá...

Mas como saber se essa festa é mesmo sua, é mesmo nossa? É mesmo de quem quiser; de quem vier? Deve ter sido curiosa a hora da virada para aqueles que trabalham soltando os fogos da Copacabana. E como será que foi a virada para o senhor que trabalha na portaria de prédio na praia? Ou para o que mora ali embaixo do ponto de ônibus perto da sua casa? Que azar o dos funcionários do metrô que não conseguiram folgar dia 31 à noite, hein? Ou azar seria não ter emprego para ter folga? O que seria mais triste, afinal: ter família, amigos e não poder comemorar junto ou simplesmente, não ter ninguém?

E você, passou bem a virada? Então, feliz ano novo.