O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






segunda-feira, 10 de maio de 2010

Eu Vou Tirar Você Desse Lugar...

-por Marina Veras e Otávio Silva

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Ela abriu os olhos vagarosamente e através da sua cortina fina e velha enxergou o Sol que, tímidamente, desaparecia no horizonte. Seu dia começava.

Entrou debaixo do chuveiro, a água fria percorria todo seu corpo nu, gerando um efeito semelhante ao da realidade que, aos poucos, tomava conta de seus pensamentos.

Agora, enrolada em uma toalha senta-se na cama – seus problemas são pesados demais para que consiga manter-se de pé. Ela encara a porta do armário de tom azul claro e desbotado, e aquela cor a faz lembrar da infância que nunca teve.

Procura – por mais tempo do que o necessário – alguma peça de roupa para vestir. O que ela queria encontrar na verdade não estava ali, nem embaixo da cama, nem no varal improvisado do banheiro. Sua dignidade já havia se perdido há muito tempo.

Diante do espelho um arrepio percorre seu pescoço. Tristeza e escuridão transbordam de seus olhos tão desgastados quanto o azul do armário. Aplica diversas camadas de maquiagem sobre seu rosto pálido, procurando esconder-se, inutilmente, por trás daquela máscara.

Ao sair de casa, caminha rebolando a passos pesados e relutantes. O barulho que seu salto faz ao tocar o asfalto soa como um grito desesperado implorando que ela volte para casa.

Entra por uma pequena porta, que, de tão escondida, parece invisível para a maioria dos que por ali passam. Ao mesmo tempo em que é engolida pela luz vermelha que ilumina todo o salão. Sente uma mão fétida e áspera deslizar sobre seu ombro até chegar ao seu seio, agora descoberto. Não sente mais seu corpo, se é que ela possui alguma propriedade sobre ele. Durante dezessete anos aprendeu que somos assim como o Sol: apesar de nos acordar de manhã, não é dono do céu o tempo todo.

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