O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






sexta-feira, 25 de junho de 2010

...Felicidade, Sim.

-por Otávio Silva


 

A luz do Sol atravessava minhas pálpebras e por isso eu acordei. Bom dia. Pelo menos o dia prometia ser bom. A noite anterior tinha sido péssima. Sem conseguir dormir, tive que ligar a TV até ficar cansado ao ponto de não conseguir continuar com os olhos abertos.

Ao tentar me levantar, o velho gato já gordo pesou como uma pedra no meu pé direito e só com o outro eu consegui sair daquela cama de casal, que parecia enorme demais agora. Por ele ter, em seguida, acordado, se assustado e tombado também, eu o perdoei. Invejei-o como sempre, por conseguir, como sempre, cair de pé. "É, esta cama está realmente grande demais para nós dois!" eu disse ao gato, abrindo um sorriso para a direita e me posicionando frente a ele, ironizando um duelo de filmes americanos de faroeste. Mas ele, como sempre, nem me respondeu.

Fui até a pia do banheiro da suíte para lavar o rosto e aqueles milhares de potes de cremes de diferentes tamanhos, cores, cheiros e sabores continuavam assombrando o meu banheiro. Já fazia mais de um mês... Eu não sabia o efeito exato de cada um, mas volta e meia me pegava lembrando a ordem que ela usava: primeiro o verde pequenininho para o corpo, antes do banho. Durante o enxágüe, duas vezes o azul redondo no cabelo, por intervalos de cinco minutos. Para o corpo, o marronzinho fininho e alto. Após o enxágüe... Ora, que diferença fazia lembrar isso tudo agora se ela não está mais aqui? Aliás, que diferença fez lembrar enquanto ela estava?

Resolvi naquela hora não fazer o cavanhaque pra me lembrar da época da escola em que eu contava vantagem dos outros moleques por ter meia dúzia de três ou quatro fios no queixo a mais do que eles. Isso, vou deixar o cavanhaque, tirar uma foto e... Ah, quem aqui quer contar vantagem agora? Hoje se encontrasse qualquer um, todos poderiam contar todo tipo de vantagem sobre mim. Fiz logo aquele cavanhaque ridículo.

Saído do banho, ainda no armário do closet que contornava o banheiro, escolhi a camisa listrada que minha mãe me dera de aniversário há uns anos atrás. Era uma camisa social preta com listrinhas brancas verticais, um pouco espaçadas umas das outras. Só a camisa mesmo. Continuei de samba canção e chinelo. Era melhor.

Peguei o jornal, que o faxineiro já deixara no tapete em frente ao meu apartamento. Tapete este, que sugeria já feliz demais pro meu gosto que os visitantes eram muito bem vindos aqui. Bom, depois eu resolveria isto. Voltei ao quarto, liguei o laptop em cima da escrivaninha e sentei na cama esperando-o ligar. Eu trabalhava em casa. Pela webcam, eu realizava assistência remota aos clientes de uma empresa de software de navegador de internet.Por um motivo muito simples, era de graça, eu usava o tal software no meu próprio computador. Mas nunca imaginaram que eu precisaria deste serviço um dia. Pois é, naquele dia, tive pena daqueles que eu atendia, ao ligar para a central de atendimentos da empresa.

Resumidamente, meus problemas de conexão e minha paciência foram dizimados lá para os meus protocolares quarenta minutos de desjejum. Logo, decidi que só começaria o trabalho após o almoço. Foi mais ou menos nessa época que eu me dei conta que as pessoas reclamam por coisas bobas. Mais desolador que as vinhetas da televisão de domingo a noite que lembram a volta ao batente no dia seguinte, mais triste que ficar em casa brigado com ela de sábado a tarde, e mais deprimente que estar cansado demais após o trabalho na sexta-feira para curtir, só almoçar todo santo dia sozinho e em casa.

Naquele dia, tinha o laptop como companhia. A minha área de trabalho, que mais parecia uma fachada de casa grande de uma senzala, com milhares de janelas enfileiradas, mostrava pra mim os fatos da semana na página online de outra empresa de jornal, as fotos do passado iluminadas no protetor de tela, os anúncios de montes de coisas que eu nunca pude comprar em pop-ups movimentados, e a minha previsão do futuro na página do horóscopo. Frente a esse caleidoscópio em meio a um mosaico de figuras, imagens e projeções do meu passado, do meu presente e do meu futuro, eu percebi que a vida é exatamente como a minha camisa que usava: listrada. Por mais que você tenha uma listra de felicidade, imediatamente, vem uma de tristeza. E assim como existe diferença entre camisas pretas listradas de branco e camisas brancas listradas de preto, a minha vida era triste, listrada de felicidade. Por mais longa que fosse a listra, sempre vinha a de tristeza e solidão.

terça-feira, 22 de junho de 2010

Morno

-por Otávio Silva


 

Quem disse que eu quero ter sucesso?

Tudo que eu peço da vida

É que no pessoal

Ela seja bem sucedida

No mais, medíocre

Que seja!


 

Não serei o funcionário do mês

Nem o proletário da vez a ser promovido

Duvido que seja

Mas veja, não serei pior que ninguém

Nem melhor também, é verdade

Da vaidade, quero me libertar


 

Quero a atenção

Das flores que minha vó tem em casa

Rega todos os dias sem exceção

A televisão é diferente. Nunca sai da sua frente.

Quero poder errar. De vez em quando, atrasar

De vez em nunca, faltar no serviço.

Mas em casa não fazer isso


 

Quero uma mulher companheira

Pra ter ao menos um casal. Um quietinho

E outra bagunceira.

Quero dar broncas, cometer enganos

Falar e ouvir todos os dias

Quase sussurrando:
-Te Amo, te amo, te amo.

domingo, 20 de junho de 2010

02:02

- por Camilla Lopes

Ela estava novamente com uma folha em branco e uma caneta preta em suas mãos. Ao lado, sobre a mesa, estavam bolinhas de papel, as quais ela contava distraidamente. “Vinte e uma. Deus, vinte e uma tentativas”, dizia para si mesma. Ela havia escolhido fazer uma carta porque sempre teve mais facilidade com a palavra escrita do que com a falada, mas agora parecia que nem uma nem outra funcionavam. Tudo que ela escrevia parecia clichê, dramático, exagerado. O sentimento que sentia era exagerado, grande de mais para caber em seu peito, e ela odiava tudo isso. “Você não faz idéia do quanto eu gosto de você, mas me desculpe, não vejo jeito disso dar certo”, recomeçou. Mas por que raios ela estava pedindo desculpas? Não tinha feito nada de errado, ele tinha feito. Ele tinha estragado um dos sentimentos mais verdadeiros que ela já tinha sentido na vida. Mais uma folha se juntou às bolinhas amassadas. Ela respirou fundo, colocou uma música e tornou a refletir, olhando para fora da janela. Incrível como a inspiração surge apenas nas horas inapropriadas. “Droga.”, e voltou-se novamente para o papel: “Eu sou apaixonada por uma parte de você que eu não sei se existe”. Não, não estava bom. Vinte e três bolinhas de papel. “Não vejo por que continuar com isso se de um jeito ou de outro eu vou me machucar”. Não. Não, não, não. Aquilo parecia tão confuso. Um aglomerado de letras que não fazia sentido algum. Daqui a um tempo ela leria aquela carta novamente e se sentiria uma criança de doze anos de idade, idealizando, vivendo sozinha uma comédia romântica água com açúcar. As ideias e as conclusões estavam em sua cabeça, passavam por seus olhos deixando lágrimas, mas não chegavam até a ponta da caneta, e isso começou a desesperá-la. Então, encostou a cabeça na ponta da mesa, e deixou seus pensamentos fluírem à vontade por um momento, quase caindo no sono. Não custou muito tempo de mente livre para perceber o que realmente gostaria de escrever. Ela rasgou sua última folha de papel em um pequeno quadrado, e, de uma vez só, escreveu: “Não é que eu não queira ficar com você. É que eu quero não ficar com você”.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Mau Fim

-por Otávio Silva


Desejos egoístas

Promessas mentirosas

Eram tão minhas

Pensei serem nossas


Felicidade e amor,

Amor e esperança

Agora com a dor

Só ficou a lembrança


Dos segredos

Do meu mundo

Dos meus medos

Tão profundos


Não bastasse um só

Foram três

Dei um nó


Nos seus laços

Nos seus beijos

E abraços


Um só bastasse

Que para mim

Se concretizasse

De uma fita do Bonfim

terça-feira, 15 de junho de 2010

Conto de Fraldas

-por Otávio Silva


Eram, uma vez, um casal diferente. Eram. Agora já nem diferente são. Muito menos um casal. Aquela menina de franjinha por quem ele se apaixonou já deixou a franja crescer. E o garoto desleixado que a conquistou, hoje se arruma todo pra sair de casa todos os dias.

A vida deles pouco mudou: continuam batendo perna pra lá e pra cá, batendo cartão nos mesmos bares e restaurantes. Ele continua batendo uma bolinha com os amigos. Ela continua batendo papo no salão. Os corações continuam batendo. Será que o mesmo que antes? É provável que sim. É provável que por novas pessoas. Talvez por velhas pessoas. Quem sabe se pela saudade que ficou?

A mesma situação em épocas diferentes.

Ele fora pra ela a pessoa com quem ele hoje sonha encontrar. Enquanto ela encontra pessoas com quem já sonhara antes. Ela reclamava dele da mesma falta de tempo que ela tem tido. Eles eram distantes em brigas quando estavam juntos. Eram juntos em pensamento quando estavam separados.

Tinham dificuldades para se abrir. Ela era durona. Ele, timidão. Quando tentavam discutir a relação, o tempo se alongava e eles não se acertavam em nada. Quando não tentavam, ficavam sem se falar por semanas.

O orgulho os atrapalhava. Ele não corria atrás dela. Nem ela dele, enquanto que passavam os dias correndo atrás de seus ideais. Lágrimas duras em corações moles, tanto batem até que furam, rasgam, destróem e explodem.

Constantemente julgavam um e outro, constantemente usavam o pouco que falavam o outro contra o um. E por isso, foram condenados a viverem felizes para sempre, separados.

quarta-feira, 9 de junho de 2010

Platão Falou: “Take It Easy”

-por Otávio Silva

    

    O principal legado que Platão nos deixou foi o pensamento sobre o "mundo das ideias". Basicamente, o nome é quase auto-explicativo. Tudo que existe no real, isto é, o que você percebe pelos sentidos, existe também numa espécie de mundo paralelo, o das ideias. E nesse mundo, tudo existe de forma ideal. É daí, aliás, que vem o termo "amor platônico", como algo idealizado, utópico. Partindo disso, podemos passear por outros pensadores e conceitos...

    Em um primeiro momento, se tudo que existe no real existe também no ideal, e de modo perfeito, fica subentendido que isso que vivemos é uma cópia impura, falsa de um objeto idealizado.

    Dessa forma, podemos entender as críticas que Platão, como bom discípulo de Sócrates, fazia aos sofistas – aqueles filósofos que valorizavam as opiniões acerca das coisas dentro de certo contexto, como se estivessem todos ao redor de um aquário cheio de água, com uma moeda segurada por um fio quase que invisível. Em um de seus textos mais famosos, o Mito da Caverna, Platão caracteriza o sofismo como aqueles que vivem no mundo das sombras, que mais tarde, seriam clareadas pela lanterna dos iluministas.

    Seguindo nosso passeio, tomando como verdadeira, então, a existência das coisas em um mundo eterno e absoluto, sem contextualização, topamos com a metafísica. Isto é, a crença em um plano "além do físico", ou seja, tiradas de corpo, de contexto, consideradas por si mesmas, em si mesmas e para si mesmas. Metafísica esta que, anos depois, Kant classificou como "a arena das discussões sem fim", no português claro: não existe.

    Ele é percebido por todos os sentidos pelos que acreditam, mas para os não-crentes, Deus é um ente metafísico. Bom, controvérsias e discussões religiosas a parte, continuemos: a Bíblia diz que o homem foi criado à "imagem e semelhança" d'Ele. E que Ele vive no "Reino dos Céus" etc... Podemos dizer então que o homem é a imagem falsa, à qual nos referimos antes, de Deus. Em nome do Pai, do Platão e do Espírito Santo, Amém.

    Além de dar base para a crença monoteísta, de maneira geral, Platão inaugura o pensamento subjetivo individualista judaico-cristão que permeia o mundo Ocidental de hoje. Isto, pois sendo o homem real incluído no contexto histórico e cultural, seja qual for o que ele está inserido, é ele a parte maculada dessa história. Melhor, então, descontextualizarmos, desapegarmos da vida que levamos. A ideia coletiva da polis grega que defendia a inclusão dos cidadãos cai por terra para dar lugar à valoração máxima do "eu" em prejuízo da sociedade. Por isso, é tão notada uma tão vulgarizada crítica à vida em sociedade. Vemos que no Oriente, explícito em homens-bombas e tradições religiosas obedecidas ortodoxamente, que o indivíduo ainda se faz menor que o grupo.

    Tomando de assalto a caverna dos sofistas de lanterninha no capacete e o caramba, Rousseau abraça a ideia de Platão. Mas por circunstâncias históricas, foge de defender Deus em sua Cruzada às avessas. O homem ideal, então, foi o famoso "bom selvagem", que longe da sociedade viveu em paz com a Natureza. Porém, como o próprio filósofo francês nos ajudou a lembrar, todo tipo de relacionamento é sociedade, em um sentido amplo. E, mesmo no estrito, sociedade é uma organização de pessoas com a mesma finalidade. Bom, família, então, é a menor e mais antiga forma de sociedade existente. E até hoje eu não conheço algum ser humano que tenha sobrevivido sem a ajuda, se não de pais biológicos, de pessoas que o mantiveram guardado, alimentado e protegido durante muitos anos. Portanto, o "bom selvagem", ao qual tanto nos orgulhamos de sermos descendentes, pelo menos no mundo real e físico, não existiu.

    Ainda assim, a decepção não impede o final do passeio. Este homem selvagem, bom, divino, imortal, eterno, absoluto, em comparação com o homem real (sem muita caracterização, para não ficarmos tristes) é descontextualizado, é solitário, sem sociedade. De acordo com o Prof. Charles Lindblom, em seu livro Política e Mercado (o qual eu não li, só estou divulgando a fonte) conceitua a vida em sociedade, a qual nós fazemos parte, como sustentada por três pilares: autoridade, troca e persuasão. E concordo com ele: a economia e a política, bases de uma vida social, dependem desses três pontos e ficam evidentes, logo, os motivos pelos quais somos corrompidos.

    Transcendental e mundano; eterno e mortal; ideal e real; objeto e imagem etc. Pronto, voltamos ao século "Xalguma coisa...", voltamos à divisão maniqueísta do mundo. Será que é assim mesmo e ponto?

    Consultando Platão, em seu texto O Banquete, ele narra um banquete (durd) em que vários gregos bebem e discursam todos sobre o amor, elogiando-o e tratando-o como um Deus. Eis que chega a vez de Sócrates falar, e contando a história em que se encontra com uma sacerdotisa grega, esta lhe conta a origem do amor de maneira maravilhosa, que perdendo toda poesia, resumirei tentando responder à questão acima.

    O Amor teria surgido da união de Recurso (=ato de recorrer, apelação judicial), deus filho de Prudência, com a Pobreza, reles mortal. E dessa união, o amor nasceu pobre e feio, sem lar, aspirante à riqueza e à beleza, devido à sua origem materna, e ao mesmo tempo, corajoso, decidido, enérgico, pois também puxou o pai. E dessa forma, o amor enriquece quando nasce em alguém e encontra abrigo, mas morre com facilidade, quando não alimentado e é empobrecido, mas assim como o Sol, pode renascer. Sendo o amor, portanto, um intermédio de mortal e imortal, rico e pobre, sábio e ignorante.

    Pronto, chegamos ao mesmo ponto final que Goya e Aristóteles, mas fizemos um passeiozinho bacana. Quebrando com as classificações extremistas e dualísticas do mundo. Coexistindo em harmonia com o homem real e o ideal, estão as virtudes humanas, que nos aproximam ou afastam de um e de outro.

    Voltando ao tema de homem e sociedade, e aplicando as virtudes e valores a ele, temos que a Justiça é aquela que mais aproxima o ser humano de transcender. Pois é ela que regula as relações humanas em válidas ou inválidas. Para formalizar tal vontade humana de normalizar e regulamentar a justa posição dos poderes e obrigações humanos, nasce o Direito.