O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






sexta-feira, 21 de maio de 2010

Dois Fãs, Um Par


-por Otávio Silva

 

    Nós dois estávamos deitados na cama do quarto dela. Eu olhava pra ela, distraidamente. E ela, falava comigo:
    -Você também consegue?
    E eu nem respondia. Observava um passarinho de pelúcia que, entre a escrivaninha e a porta, não deixava esta fechar, para ouvirmos quando chegasse alguém na casa. O irmão dela era ciumento e podia chegar sem avisar. Embora eu fosse maior que ele, uma briga não estava nos meus planos.
    Eu estava de costas para a parede e, enquanto ela me olhava e não parava de falar, na borda da cama, observava por cima do ombro dela aquele quarto de menininha ainda. Várias caixinhas e gavetas que deviam guardar um milhão de histórias e lembranças, brincos e colares, pulseiras e elásticos de cabelo.
    -... Porque a Bru não podia ter feito isso com o Lu...
    De vez em quando eu demonstrava algum interesse no que ela dizia e algumas daquelas palavras realmente entravam na minha cabeça. O que seria útil caso ela resolvesse desafiar minha atenção, posteriormente, como já havia feito em outras oportunidades.
    -... Tava pensando em ir na festa da Gi, sábado e...
    E eu concordava ou não, algumas vezes, pra dar mais credibilidade à minha curiosidade pela conversa. Momentaneamente, meus pensamentos giravam de novo com o quarto e eu pensava o que estaria fazendo ali? Digo, eu gostava dela. Realmente gostava, mas... Não sei, será que bastava? Será que isso tudo é um simples passatempo? Pois eu já havia passado muito tempo com ela e o tempo ainda não tinha passado. O tempo ainda não tinha chegado.
    Eu estava cansado. Não só por estar se aproximando do final de mais um dia longo e ter que me contentar em ver apenas uma frestinha do por do Sol, através dos vários prédios que pintavam um quadro, cuja moldura era a janela do quarto dela. Cansado também de ter que fingir que queria ouvir sobre as futilidades dela ao passo que ela nem fingia ter cuidado com as minhas necessidades... Será que eu ainda gosto dela?
    Assim que essa pergunta me veio à mente, percebi que ela já não falava mais e só me olhava, com um sorriso torto pra direita, como se já estivesse esperando há um tempo:
    -Você ainda não respondeu.
    E eu pensei desesperado se eu teria falado aquilo em voz alta.
    -Não respondi o quê? Respondi, virando os olhos, como se pudesse virar também o foco da conversa.
    -Se você também consegue se ver nos meus olhos, como eu me vejo nos seus.
    Nunca tinha notado. Quando procurei os olhos dela, respondi alegre e instintivamente:
    -Consigo!

6 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Já passei por esse mesmo questionamento: 'eu ainda gosto dele?', é muito estranho estar com alguém onde não se reconhece mais o que fez você se apaixonar. O significado do final ficou confuso, talvez: ele se acomodou, mesmo sabendo que não gostava mais? Ou tinha a esperança de que tudo ficaria bem? :D

    ResponderExcluir
  3. Ficou muito lindo!!! As vezes um olhar, e um sorriso, dispersam todas as dúvidas que temos. Muuuuuito bom red!!!
    =]

    ResponderExcluir
  4. tá ótimo! mto bem descrito! ...ai, eu amor olhares! =D

    ResponderExcluir
  5. Gosto muito do final. a idéia de reflexão. Podia muito bem ser desenvolvida por si só =]
    -Marina

    ResponderExcluir