O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






segunda-feira, 18 de junho de 2012

Existência

-por Juliana Cardoso


Certas pessoas simplesmente têm muitos sentimentos dentro de si. Mais do que as palavras e gestos conseguem expressar, mais do que o choro pode extravasar, mais do que um abraço pode consolar. Às vezes, o sentimento é tão forte e a urgência de colocá-lo para fora é tão latente que cada célula do corpo vibra em um desespero louco por liberdade... E é aí que o corpo se movimenta. Uma arte na qual o que mais importa é a veracidade do movimento, a busca eterna pela representação fiel do sentimento na sua essência. O coração grita ritmado com uma musica que não se sabe se vem do exterior desse mundo ou se o coração mesmo criou; os músculos enrijecem e se contorcem numa dor prazerosa e viciante; a alma flutua expectadora e personagem dessa situação e a mente entra em transe. Sem pensamentos, bons ou ruins. Por alguns minutos os problemas deixam de existir e a própria existência dá lugar a essa exuberante liberação de sentimentos. Por alguns minutos deixamos de ser humanos para virarmos expressão. Por alguns minutos o corpo e as limitações deste não existem e viramos música. Livres, finalmente.

sábado, 16 de junho de 2012

Parabéns! Parabéns! Hoje é o seu dia, que dia mais feliz!


-Otávio Silva

Fila em banco de bar é foda. Hoje fui à Lotérica pagar um imposto. Já eram mais de 16h e o expediente bancário já havia terminado, por isso, a Lotérica. Uma fila quilométrica já aguardada me desanimava ainda mais assim que cheguei.
                E logo que cheguei, dirigi-me ao caixa, ‘furando’ a fila apenas para tirar uma dúvida se o referido imposto que eu estava em mãos poderia ser pago ali, nas Lotéricas.
                -Pode, sim, moço. – ela me respondeu até com um quase sorriso no rosto, desgastado pelo tédio, pela monotonia e pela repetição daquele trabalho quase que exclusivamente braçal de ler os códigos de barras de todas as contas que ali chegavam para serem pagas, contar o dinheiro dado, calcular o troco, carimbar a conta e devolvê-los ao cliente.
                Eu quase tinha torcido pra ela dizer que não aceitava o pagamento do tipo de guia que eu estava levando. Assim, eu teria um conforto psicológico por não encarar a fila, mesmo não pagando o imposto, ao invés de um peso na consciência por isto. Mas ela disse que aceitava, então, lá fui eu... Pro longínquo final da fila.
                Chegando lá, tentava ser otimista de alguma forma: tentava pensar que a fila não estava assim tão grande... Mas quando eu olhava de novo, percebia que ela tava ainda maior do que eu tinha pensado antes! Tentava pensar que iria passar rápido, mas a velocidade da única operadora de caixa ali era tão assustadoramente pequena... Tentava pensar que eu não estaria fazendo nada demais fora dali, mas no mínimo, a minha cama seria mais atraente que ficar de pé naquela fila de caixa lotérica...
                ...Em dez minutos, apenas três pessoas haviam sido atendidas. Tinham dezenove na minha frente, logo, dez está para três, assim como x para dezenove... É, melhor nem fazer a conta...
                Durante o tempo em que fiquei na fila, todo tipo de figura passeava no supermercado em que a lotérica estava localizada. Grupos de amigos levavam os ingredientes para possíveis churrascos no fim de semana que se aproximava, donas de casa realizavam a compra do mês, bêbados passavam gritando atrocidades contra quem quer que fosse; mulheres bonitas chamavam a atenção da rapaziada, outras nem tanto... E a todas essas pessoas, a moça do cartão de crédito do supermercado atazanava para que fizessem o maldito cartão...
                E ninguém fazia; como era de se esperar.
                ...
                Uma fila e uma hora inteiras depois, chegava a minha vez. Dor na sola do pé, joelhos e tornozelos enrijecidos, o suor fazendo a camiseta grudar no corpo, um machucado no braço fazendo o sangue coagular, a vista já cansada do dia anterior quase cedendo de sono às luzes fluorescentes do supermercado... Nada aliviaria tanto quanto a minha tão esperada vez no caixa.
                Dei o mesmo quase sorriso que a atendente tinha me dado há uma hora, e ela me respondeu já sem nem um décimo de sorriso. Passei a guia impressa da internet e o dinheiro de uma vez só por debaixo do vidro, sem falar nada. Ela olhou o papel, virou, revirou e chamou alguém lá dentro, perguntando:
                -A gente pode receber isso aqui?
                Porém, a voz lá do fundo soava inaudível do lado de fora. E a apreensão da resposta só se transformou em desespero quando a atendente, a mesma de uma hora atrás, me disse:
                -Olha moço, a gente não pode receber esse tipo de imposto aqui, não.
                -Legal! – eu disse pra ela, aumentando o meu sorriso gradualmente. Um sorriso quase de um psicopata prestes a apertar um botão por debaixo da camisa que é capaz de explodir o estabelecimento inteiro – Depois de uma hora que você me falou que receberia, agora você quer me falar que não recebe? – eu dizia ainda respeitando os tempos verbais e concordâncias.
                -Eu, moço? Eu não disse nada pra você. – disse ela parecendo autêntica.
                Dois segundos depois, ela parecia ter se lembrado de mim e os seus olhos já não mais encaravam os meus e o seu semblante fechou-se no mesmo instante.
                -Que dahora né? – eu dizia pra ela, levantando o polegar, em sinal de positivo.
                Mas ela já não conseguia olhar pra mim e o máximo que pôde responder foi:
                -Por favor, o próximo! Moço, o senhor tá atrasando toda a fila, eu não posso fazer nada pelo senhor!
                -Não pode fazer nada?! Não pode fazer nada é o ca%$&(, vai pra #$*&#$#*$&, vai se #$#*$&#$*#, sua fi($*#($#(*#ta... E parabéns, viu! Tá fazendo o seu trabalho direitinho!
                -Meu aniversário é só em dezembro! – respondeu a ladra de tempo, em um tom de ironia típico de criança do primário.
                -Então eu já vou pegar a fila, quem sabe em dezembro eu tô aqui denovo...