-Otávio Silva
Fila em banco de bar é foda. Hoje fui à Lotérica pagar um
imposto. Já eram mais de 16h e o expediente bancário já havia terminado, por
isso, a Lotérica. Uma fila quilométrica já aguardada me desanimava ainda mais assim
que cheguei.
E logo
que cheguei, dirigi-me ao caixa, ‘furando’ a fila apenas para tirar uma dúvida
se o referido imposto que eu estava em mãos poderia ser pago ali, nas
Lotéricas.
-Pode,
sim, moço. – ela me respondeu até com um quase sorriso no rosto, desgastado
pelo tédio, pela monotonia e pela repetição daquele trabalho quase que
exclusivamente braçal de ler os códigos de barras de todas as contas que ali
chegavam para serem pagas, contar o dinheiro dado, calcular o troco, carimbar a
conta e devolvê-los ao cliente.
Eu
quase tinha torcido pra ela dizer que não aceitava o pagamento do tipo de guia
que eu estava levando. Assim, eu teria um conforto psicológico por não encarar
a fila, mesmo não pagando o imposto, ao invés de um peso na consciência por
isto. Mas ela disse que aceitava, então, lá fui eu... Pro longínquo final da
fila.
Chegando
lá, tentava ser otimista de alguma forma: tentava pensar que a fila não estava
assim tão grande... Mas quando eu olhava de novo, percebia que ela tava ainda
maior do que eu tinha pensado antes! Tentava pensar que iria passar rápido, mas
a velocidade da única operadora de caixa ali era tão assustadoramente
pequena... Tentava pensar que eu não estaria fazendo nada demais fora dali, mas
no mínimo, a minha cama seria mais atraente que ficar de pé naquela fila de
caixa lotérica...
...Em
dez minutos, apenas três pessoas haviam sido atendidas. Tinham dezenove na
minha frente, logo, dez está para três, assim como x para dezenove... É, melhor
nem fazer a conta...
Durante o tempo em que fiquei na fila, todo tipo de figura passeava no supermercado em que a lotérica estava
localizada. Grupos de amigos levavam os ingredientes para possíveis churrascos no fim de semana que se aproximava,
donas de casa realizavam a compra do mês, bêbados passavam gritando atrocidades
contra quem quer que fosse; mulheres bonitas chamavam a atenção da rapaziada, outras nem tanto... E a todas essas
pessoas, a moça do cartão de crédito do supermercado atazanava para que
fizessem o maldito cartão...
E
ninguém fazia; como era de se esperar.
...
Uma
fila e uma hora inteiras depois, chegava a minha vez. Dor na sola do pé,
joelhos e tornozelos enrijecidos, o suor fazendo a camiseta grudar no corpo, um
machucado no braço fazendo o sangue coagular, a vista já cansada do dia anterior
quase cedendo de sono às luzes fluorescentes do supermercado... Nada aliviaria
tanto quanto a minha tão esperada vez no caixa.
Dei o
mesmo quase sorriso que a atendente tinha me dado há uma hora, e ela me
respondeu já sem nem um décimo de sorriso. Passei a guia impressa da internet e
o dinheiro de uma vez só por debaixo do vidro, sem falar nada. Ela olhou o
papel, virou, revirou e chamou alguém lá dentro, perguntando:
-A gente
pode receber isso aqui?
Porém,
a voz lá do fundo soava inaudível do lado de fora. E a apreensão da resposta só se
transformou em desespero quando a atendente, a mesma de uma hora atrás, me
disse:
-Olha
moço, a gente não pode receber esse tipo de imposto aqui, não.
-Legal!
– eu disse pra ela, aumentando o meu sorriso gradualmente. Um sorriso quase de
um psicopata prestes a apertar um botão por debaixo da camisa que é capaz de
explodir o estabelecimento inteiro – Depois de uma hora que você me falou que
receberia, agora você quer me falar que não recebe? – eu dizia ainda
respeitando os tempos verbais e concordâncias.
-Eu,
moço? Eu não disse nada pra você. – disse ela parecendo autêntica.
Dois segundos depois, ela parecia ter se lembrado de mim e os seus olhos já não mais
encaravam os meus e o seu semblante fechou-se no mesmo instante.
-Que
dahora né? – eu dizia pra ela, levantando o polegar, em sinal de positivo.
Mas ela
já não conseguia olhar pra mim e o máximo que pôde responder foi:
-Por
favor, o próximo! Moço, o senhor tá atrasando toda a fila, eu não posso fazer
nada pelo senhor!
-Não
pode fazer nada?! Não pode fazer nada é o ca%$&(, vai pra
#$*&#$#*$&, vai se #$#*$&#$*#, sua fi($*#($#(*#ta... E parabéns,
viu! Tá fazendo o seu trabalho direitinho!
-Meu
aniversário é só em dezembro! – respondeu a ladra de tempo, em um tom de ironia
típico de criança do primário.
-Então
eu já vou pegar a fila, quem sabe em dezembro eu tô aqui denovo...