O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






domingo, 31 de outubro de 2010

Mentalmorfose Ambulante

-por Otávio Silva


 

    O tele transporte é, basicamente, a ideia de conseguir suprimir as nossas noções de espaço e tempo ao mover um objeto de um lugar para outro, em pouquíssimo tempo, sem a passagem por um espaço intermediário. A internet e o scanner são, então, formas de tele transporte, já que transportam informações de aparelhos em diferentes lugares para outros em uma velocidade praticamente instantânea? Não, ambos se utilizam de cabos e fios até mesmo inter oceânicos para realizarem seus trabalhos. Serviços de comunicação sem-fio, como a internet wi-fi, ou mesmo o antigo rádio, se transportam através de ondas magnéticas, eletromagnéticas, de rádio.

    Experimentos recentes promoveram a locomoção de informações, ainda que muito pequenas, como fótons, por até dezesseis quilômetros, sem transição espaço-temporal. Quem sabe, um dia, com a evolução das pesquisas e tecnologias disponíveis, possamos nós, seres humanos, sermos objetos de tele transporte. Tal experimento se deu através de uma forma de um "scanner" de tais substâncias e a posterior "impressão" destes em outro lugar.

    Imaginemos o mesmo procedimento com seres humanos. Uma pessoa que tivesse todos seus átomos, moléculas e células, todas, todas (eu disse TODAS) suas substâncias eliminadas, armazenadas e transferidas para outro lugar, onde se re-materializariam, poderia ter sido tele transportada de fato? Que mais uma pessoa, além de sua matéria, é?

    No caso, a pessoa em si teria morrido para dar lugar, ou melhor, para dar corpo a outra. Ou será que é essa a fórmula mágica que deva ser utilizada após três dias da morte? Brincadeiras e religião a parte, parece totalmente plausível dizermos que uma pessoa é feita das experiências às quais ela foi exposta ao longo de sua vida.

    Sendo assim, é você exatamente a mesma pessoa que tomou aquela bronca, da qual você se lembra, da professora do jardim por falar alto durante a aula? Foi você quem fez aquele excelente contrato com a empresa logo que saiu da faculdade? Foi você mesmo quem caiu de bicicleta e quebrou o braço aos 10 anos? A mesma pessoa que está lendo este texto e tem um monte de preocupações diárias e visões de mundo agora é realmente a mesma que saiu do útero de sua mãe? Se não, quem é, então?

    Caso você menospreze as experiências que teve durante a vida e todas as noções que sua mente propõe todos os dias diante das situações a que ela é posta em trabalho e valorize mais a sua forma material e substancial, é possível que você se dê por satisfeito se você for retirado de sua vida e um clone ou uma imagem "scanneada" sua seja posta no lugar.

    Caso você não se dê por satisfeito com isso e valoriza a sua vivência psicológica em detrimento do material, é capaz de concordar com alguns pontos: um casal de velhinhos que já tenha filhos e netos não pode se dar ao luxo de dizer que conheceram um ao outro durante a adolescência, mesmo se assim fizeram, pois as pessoas que eles conheceram há um tempão não são as mesmas que hoje chamam de "marido" e "mulher", uma vez que cada uma delas já passou por inúmeras situações na vida deles desde que se conhecem que com toda certeza modificou muitas visões, convicções e até mesmo modos de ser.

    Da mesma maneira isso acontece com um patrão que contratou seu empregado há muito tempo, com dois amigos de infância, com um pai e um filho, um presidente e seu eleitor, um criminoso e a vítima e qualquer outro tipo de relação humana. Por isso que algumas ações devem ser muito bem pensadas, como a pena de morte, a votação, o aborto, o casamento, a gravidez, a contratação de alguém.

O que acontece geralmente é que essas modificações, que as pessoas sofrem, ocorrem talvez de modo pouco sensível para quem acompanhe o processo todo. Qualquer tipo de experiência é capaz de modificar uma ideia: a visão de um por do Sol, a visualização da possibilidade de alcançar o poder, a audição de um "te amo", a rejeição de uma pessoa querida, uma derrota amarga, um bom filme, uma música intensa, quem sabe algum desses humildes textos que aqui habitam o blog. Considere, logo, a possibilidade de que todas essas experiências juntas possam mudar a mente de alguém. Os conhecimentos se encadeiam em forma de um tetrix, cujas peças se sobrepõem, se misturam, mudam de posição, deixam espaços vazios, são postas de lado...

Um componente interessante são as viagens. Algumas pessoas distanciam-se do seu ambiente e fazem coisas que não eram acostumadas a fazer, exatamente com esta justificativa, como se não contasse para nossas experiências, como se fosse posta em memory card, que podem retirar quando quiser. Também por isso que quando alguém faz uma viagem longa para um lugar diferente, dizem que ela volta diferente. Pois quem tem contato apenas com a amostra inicial e final da pessoa consegue distinguir um do outro e ao mesmo tempo que quando voltamos de alguma viagem dessas, não somos somente nós quem mudamos, mas o lugar e pessoas a nossa volta também.


 

Bibliografias:


 

segunda-feira, 25 de outubro de 2010

Direito Penal do Inimigo

-por Otávio Silva


 

Ele é diferente. Você sabe que ele é seu inimigo, você sabe. Por mais que ele tenha discernimento para fazer as coisas certas, ele faz as erradas. As leis, modos de tratamentos, penas... Tudo para ele deve ser diferente. Por que ele é diferente. Estranho no ninho. Anômico. Espero que ele fique preso para sempre. Aliás, ele já está. Espero que ele continue preso. E para sempre. Que as suas grades permaneçam calcificadas paralelamente em volta dele para que ele não saia jamais. Não dá. Ele não pode viver fora de lá. Seria como uma bomba no organismo social. Espero que os socos de revolta contra as paredes da cela continuem sendo em vão, inúteis, fragilizada sejam. Batidas em pontas de facas. Que ele, um dia, apodreça lá dentro. Torne-se pedra dura e fria diante do calor provocado por sua violência. Que ele continue respirando e transpirando sangue, sozinho em sua prisão. Sangue vermelho forte de suas batidas. Que sangre vermelho negro de solidão. Sangue vermelho negro da escuridão de sua cela mínima, apertada. Sangre negro e rubro de aperto! Que desta solitária, não tenha nunca o contato com a claridade do Sol. Que viva em trevas, então, inimigo. E que morra em luz para que seus rancores possam lhe ver nu e imóvel, pedaço vil de carne.

E não volte a me incomodar enquanto tento dormir, coração.

sábado, 9 de outubro de 2010

Só o Sol

-por Otávio Silva


 

Guarda a chuva e guarda o Sol,

Guarda a sombra e guarda a nuvem.


 

Guarde a roupa, que vai esquentar.

Abaixe a guarda, que vai molhar.


 

Olha o guarda, que vai chegar,

Guarda baixa para não apanhar.


 

Pancadas de chuva,

Abraços de nuvens,


 

Só o Sol, só o Sol...

Só o Sol desfaz.