O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Todo carnaval tem o seu fim

-por Otávio Silva


Toda rosa é rosa, porque assim ela é chamada, já dizia Shakespeare. Mas existem rosas amarelas, azuis, brancas, coloridas, vermelhas... Será que alguém já se perguntou o porquê do nome dela ser justamente rosa?!
O poder que as palavras tem é imenso e ninguém tem a verdadeira ideia disso. O alcance das palavras é grande, até mesmo em um folheto distribuído na rua, que dirá em veículos de mídia de grande circulação, como a TV, o rádio, o jornal, a revista?
A imprensa te passa uma imagem, que justamente por estar sendo veiculada, te passa confiança e credibilidade. Criam-se cenários, ventem-se da melhor maneira possível, gestos firmes são feitos: todas as maneiras de chamar a sua atenção para lhe passar uma palavra, pra te vender uma palavra. A palavra de Deus? A palavra do diabo?
É preciso ter cuidado, como todo comércio que visa o lucro, as empresas de mídia representam interesses, algumas vezes escusos, algumas vezes de uma minoria, mas não deixam de disseminar a palavra.
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado, e pinta o estandarte de azul, e põe suas estrelas no azul, pra quê mudar? Com um discurso vazio, mas enfático, baseado na propaganda, para justificar o rombo econômico pós 1ª Guerra Mundial, Hitler se consolidou no governo da Alemanha nazista e convenceu uma população inteira de que não era errado perseguir os judeus e matá-los em campos de concentração. (I can ride my bike with no handlebars... And i can end the planet in a holocaust)
Engraçado como o governo alemão conseguiu pintar uma águia negra e o símbolo da suástica no estandarte de um país, cuja maioria de seu povo tão notoriamente culto nem se questionou. Povo este educado, desde pequeno, a seguir as ordens superiores e a manter a disciplina. Lei é lei, ordem é ordem. A disciplina não é uma qualidade, mas um requisisto.
E o progresso? É evidente que não assim é o povo brasileiro. Lei, às vezes, não pega, não é mesmo?! Farol vermelho é piada e tudo se dá um jeitinho. Como, então, explicar a confiança cega de parcela da população em uma imprensa tão corrompida?
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia, toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado, de que o dia insiste em nascer. Consome o que lhe oferecem, compra o que lhe vendem, ouve o que lhe falam, você trabalha tanto que nem pensa mais direito. (Pense, fale, compre, beba/ leia, vote, não se esqueça/ use, seja, ouça, diga/ tenha, morre, gaste e viva)
O que é a bandeira do Brasil mesmo? O verde é da natureza, que a gente já devastou, o amarelo é o ouro, que já nos foi levado, e as estrelas no azul do nosso céu, deve ser o brilho que o brasileiro traz consigo. Ah, que diferença faz?
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz. Volta e meia surge o circo pra completar o pão já amassado que o nosso povo tem que comer. Futebol, carnaval, olimpíadas... O brasileiro é bom em festas. Pena quando resolve fazer circo com coisa séria, coloquem-nos o nariz de palhaço, logo! Maniqueísmo, barulho, fumaça, é isso o que mais vende na imprensa. Joguem pedras nos bandidos, salvem os heróis, não procurem entender a razão dos fatos e nem discutir o que está sendo proposto.
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco. Vivemos a novela da vida real! Caso Isabella Nardoni, invasões da polícia aos morros cariocas transmitidos ao vivo, invasão da reitoria da USP, é tudo parte do roteiro do filme Tropa de Elite 2: um escândalo segue o outro, o qual é explorado ao máximo pela mídia, que escolhe o lado bom, o lado mau (de acordo com seu rabo-preso e com o que pode dar maior margem de lucro), até que as autoridades façam o que a população, influenciada, espera que seja feito, para com isso angariar popularidade. A verdade, os motivos, cortar a raiz dos problemas, dialogar sobre o que se sugere... Ninguém quer; ninguém faz; ninguém compra!
Todo carnaval tem o seu fim. E, assim, estabelecem-se os mártires e os crucificados, até que o assunto se esgote, os telespectadores se cansem, se esqueçam, e aconteça o próximo.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Lei da Natureza

-por Otávio Silva



“There is a pleasure in the pathless Woods;

There is a rapture on the lonely shore;

There is society, where none one intrudes,

By the deep sea, and music in its roar:

I love not man the less, but Nature more...”

(Lord Byron)



Encontro-me embaixo de uma amoreira. É quase época delas, mas o chão da praça já se encontra inundado pela tinta rocha de seus frutos pisados ou amassados pela queda dos galhos.

Algumas amoras tornam-se inacessíveis, de forma que além de já estarem em galhos altos, ficam ainda mais longe do solo. Isto, pois a praça é desnivelada, tornando os galhos do lado de baixo do tronco muito elevados, quase impossíveis de serem alcançados. Da mesma forma, os galhos da porção que ficam à cima do centro do tronco parecem mais próximos e de mais fácil acesso.

Correndo o enorme risco de falar besteira, afirmo que de folhas curtas, porém muito espalhadas, a amoreira é uma planta que possui galhos muito finos, o que talvez facilite a passagem de nutrientes e água do solo ao cume. Possivelmente, é essa a razão de serem tão doces as amoras pretas. Seus gomos ficam cheios, e estouram a um toque ligeiramente mais forte, liberando uma pintura roxa escura. Mancha não só o chão abaixo da árvore. Pinta também, obviamente, as mãos dos coletores; as línguas dos consumidores assíduos, os cantos das bocas e a camisa dos mais desastrados.

A amoreira só dá frutos uns dois, no máximo três, meses ao ano. Mas isso funciona mais ou menos que nem o aniversário de um ente querido, mas distante: você se lembra da data sempre, menos no próprio dia. Consegui lembrar um dia desses, quando voltamos ao começo do texto.

Debaixo da copa da árvore, em cima do chão meio avermelhado, que misturava o marrom da terra e o roxo da fruta, eu caçava as amoras mais escuras, que são as mais maduras, e, consequentemente, mais doces. Mas eu não faço lá muita distinção, não! As vermelhas, num ponto intermediário de amadurecimento, estão, por assim dizer, num intermédio entre o gosto suave das negras e o azedo das que ainda estão verdes e duras.

Mal posso comer minhas amoras em paz, chega uma senhora baixinha e gorducha, que já me interpela:

- Ai, eu não consigo passar aqui sem pegar uma ou duas, todos os dias! “Bom pra você”, eu pensei, mas não respondi. Ensaiei um sorriso vermelho pra ela, como se estivesse entre um simpático e um falso, forçado.

A senhora reclamava da altura das frutas e ao mesmo tempo, salientando como eu era alto! Uma bela indireta para eu pegar algumas para ela. De repente, eu passei a não enxergar mais as amoras maduras e quase que procurar as mais azedas. “É só um tempo, essa velhinha não vai ter a mesma paciência que eu, ela vai embora antes e eu vou poder voltar a pegar as melhores pra mim”.

Mas ela era obstinada. Após perceber um cacho visivelmente delicioso naqueles galhos que estavam mais altos, a senhorinha sugeriu que eu pegasse. Porém, esses galhos estavam realmente muito além do meu alcance, de verdade mesmo. Eu até tentei pegá-los, me esticando ao máximo, mas não consegui.

Frustrada, ela foi embora. Já sabendo daquelas avistadas pela senhora, procurei alguma forma de tentar obtê-las e passei a maquinar maneiras, enquanto pegava outras. Neste momento, chegou outra mulher. Dessa vez, mais nova que a anterior, mas decididamente mais velha do que eu, entretanto conservava a beleza nos seus traços.

Percebendo algum tipo de observação minha, ela fez o que todas as mulheres fazem quando notam isso. Abaixam o rosto, desviam o olhar, prestam mais atenção em outras coisas do que elas verdadeiramente merecem, só para não prestar em seu observador. Bom, melhor pra mim, não tenho que fingir estar preocupado com o sucesso da coleta dela. Não dei nem um riso verde.

Passados poucos minutos, agora sim! Fiquei absolutamente sozinho com ela. A outra foi embora. Provavelmente, retornava à rotina, que havia pausado ao passar por ali, no meio da tarde. Provavelmente, já na hora de chegar a casa, fazer a janta para o marido, buscar o filho na escola, sabe lá. Só sei que agora éramos, finalmente, somente nós dois. Eu e a amoreira.

Escalei o tronco, puxei os galhos para baixo, agarrava-me às folhas, sequei aquela árvore! Peguei praticamente todas as frutas possíveis e imagináveis. E daí que se eu deixasse as que ainda não estivessem maduras, elas amadureceriam em um tempo, e eu poderia voltar para pegá-las já maduras? Quem disse que eu conseguiria voltar lá outro dia? Se conseguisse, e se alguém fosse lá antes que eu e pegasse as amoras maduras que eu perdoei? Eu tenho que pensar nisso mesmo? As últimas pessoas deixaram de pegar todas aquelas que eu estava pegando agora, e só por isso eu consegui pegar. E daí?!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Jurisdição

-por Otávio Silva

Do latim: juris, "direito" e dicere, "dizer". Dizer o direito. Quem é que vai querer dizer o que tenho eu direito ou não? Teve um tempo em que eu achava serem os meus pais. E eles sempre faziam o que achavam ser melhor para o meu bem. Até que eu comecei a questionar como eles saberiam o que era para o meu bem.
Existe uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que aguarda inclusão na pauta do Plenário para ser votada, que sugere o direito à felicidade como sendo fundamental. Querem agora, que além de tudo, você seja feliz.
É então, o legislador (vereadores, deputados e senadores) quem diz o meu direito? Salve o meu direito de ser feliz, salvem os palhaços do Congresso Nacional!
Ok, ok... Talvez estejam certos aqueles que pregam a desobediência civil. Afinal de contas, que Contrato Social é esse que eu não me lembro de ter assinado?
Dizia o filósofo norte-americano Thoreau que um homem que paga seus impostos para financiar um governo corrupto, é corrupto também. Em sua época, para não financiar a escravidão e a guerra, durante seis anos não pagou um centavo ao governo.
Mas será que isso é justo? A partir do momento que o Estado lhe permite viver em seu território, lhe fornece serviços públicos de qualidade - saneamento básico, saúde, educação, alimentação, transporte - é justo que não se pague nada em troca? Nascemos já com o direito natural a todas essas coisas e não faz nada mais o Estado que cumprir com a sua obrigação?
Nem sempre igualdade é a fonte da justiça. Aristóteles distinguia alguns tipos de justiça. Dentre eles, os tipos que procuravam tratar da relação de membros de um grupo e o próprio grupo. Estabelece-se, então, uma proporção nesta relação. Ao mesmo tempo em que os membros tem o direito de receber do grupo aquilo que necessitam e merecem, o grupo tem o direito de receber dos membros aquilo que cada um é capaz de contribuir.
Não sei se Thoreau considerou tudo isso ao não pagar os seus impostos. Não sei se ele realmente tinha capacidade para pagar os seus impostos. Não sou eu quem vai dizer os direitos dele. Talvez por não querer ninguém dizendo os seus direitos, que ele resolveu, simplesmente, não fazer parte de nenhuma sociedade e viver sozinho nos bosques, por um bom tempo. "Ninguém pra ligar e dizer onde estou, ninguém pra ir comigo onde eu vou. Por outro lado, ninguém pra abaixar o volume, ninguém pra reclamar dos pratos sujos, ninguém pra fingir que eu não amo". Quem sabe não sejamos bons selvagens...
Bom, o certo é que o quadro brasileiro não é de uma boa prestação de serviços por parte do Estado, além de um financiamento de práticas escusas de seus representantes com o dinheiro público, com o nosso dinheiro. E se nós parássemos de pagar os impostos? Não digo de sonegar uma parte, na surdina, como muitos já fazem. Digo de todos nós ignorarmos o Leão, até ele virar um gatinho indefeso.
Se isto acontecer e formos parar às barras de um tribunal, evoquemos o nosso direito à felicidade, oras! De quem é a felicidade ao lhe tirarem até 27,5% do seu salário? E como o juiz vai analisar o que é felicidade, afinal? E agora é o juiz quem vai dizer o meu direito? É acho que eu estou crescendo... Pai! Mãe! Acho que tudo isso não me faz feliz!
Ou faz, quem são eles para dizer. Deem de ombros, mesmo. Melhor, não dê não, pátria mãe gentil! Cadê o meu direito à tristeza? Ao drama, à solidão, ao abandono? Estão me roubando direitos fundamentais, que aburdo! Afinal de contas, "pra fazer samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza".

Façamos, então, o que nós sabemos de melhor: sambemos, Brasil, sambemos em uma nota só, enquanto atiram em nossos pés - ratátátá!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Soa

-por André Oviedo




Amor
Quando sai da tua boca,

Me deixa seguro.

Seguro

-por Dri de Santi



Amor,


que há depois do teu medo?



Desejo,

Desejo,

Desejo.

BESTA-FERA

-por Dri de Santi


Dentro de mim mora uma Besta-Fera,


Príncipe terno das minhas noites eternas.

Se choro, ele urra,

Se adormeço, ele vigia,

Se sorrio, ele dança...

E girando, girando,

Entre nuvens e estrelas no espaço,

Sossega minha triste alma.



Não hei de quebrar-lhe a flor do encanto:

Quero-a magicamente enclausurada,

A fim de deixá-lo também aqui, aprisionado,

Vivendo infinitamente

A me ver sorrir, chorar,

Adormecer, enfim,

No embalo suave de seu acalanto.

domingo, 31 de julho de 2011

Baile de Máscaras

-por Carla Formigoni



Lá estava ela, com seus cabelos presos, deixando sua nuca à mostra levemente encoberta pelas pontas que se arqueavam na tentativa de formarem encantadores cachos dourados. Usava um vestido vermelho que acentuavam o desenho de seu corpo da maneira mais delicada combinando com a cor de seus lábios e de sua máscara, que apesar de encantadora, não parecia se encaixar direito com seu belo rosto. Assim como poucas máscaras do salão, esta parecia ter vindo diretamente de Veneza, contornando penetrantes e incrivelmente brilhantes olhos castanhos.
Observava cada olhar ao seu redor e, apesar de não enxergar as sobrancelhas, escondidas sob as máscaras, tentava decifrá-los. Enquanto alguns não necessitavam de muita observação, outros eram muito mais enigmáticos. Curiosa, caminhou até o espelho de moldura dourada, semelhante aos de época, e percebeu quão sincero era seu olhar. Tão sincero que praticamente a denunciava instantaneamente.

No primeiro momento, sentiu-se feliz. - “Dizem que os olhos são as janelas da alma, certo?”- pensou. Seu rosto foi levemente decorado por um leve sorriso, e então ela retornava ao centro do salão, onde muitos dançavam. Envolta por inúmeras beldades e grandes nomes, admirava poucos, conversava com alguns e cumprimentava todos (muitos a contragosto por assim dizer).

É claro que aqueles que não a despertavam carisma reconheciam tal fato no mesmo instante. E foi quando ela percebeu que o que a deixava feliz, agora a intrigava o suficiente para perder algumas músicas da festa e ser levada pelos pensamentos ali mesmo. Dera-se conta de que as mais conhecidas e bem sucedidas pessoas daquele local - como em todos os outros locais- eram as mesmas cujos olhos eram incompreensíveis. Entendera o porquê no mesmo instante. Como camaleões, camuflavam seus olhares, escondendo deste modo suas almas e a sinceridade destes.

Compreendera então suas dificuldades. Na vida, não eram admirados os mais sinceros olhares, mas sim as máscaras que mais perfeitamente se encaixavam ao rosto e à ocasião, naqueles que dançavam conforme a música.

sábado, 30 de julho de 2011

Sorria! Você tá sendo filmado!

-por Otávio Silva



Ele ouviu falar que sorrir era a melhor forma de causar uma boa primeira impressão em alguém. E como não se tem uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão, ele sempre sorria ao conhecer alguém.

-O que você me pede chorando que eu não te faço sorrindo?

Era o que ele sempre dizia a elas, nos primeiros encontros, respondendo a qualquer tipo de pedido. Qualquer tipo de pedido: fútil, mimado ou manhoso. Ele conhecia esse tipo de pedido manhoso. Pedido que as mulheres fazem pra ver o que o homem é capaz de fazer por ela.

Ele sabia que os homens se guiam pela visão, e as mulheres, pelo que escutam. E também sabia que, em consequência disso, elas se pintam e maquiam, enquanto eles mentem. E falava tudo pra elas. Tudo que elas queriam ouvir. Segredos bobos inventados, sonhos infantis, histórias mirabolantes, vantagens mil. Gritava o amor aos quatro cantos, sussurrava sacanagens, ao gosto da freguesa...

E depois de enjoar delas, sumia como o Sol faz ao anoitecer. Devagar... Aos poucos... Encaminhava-se para o horizonte... Cada vez mais longe... Mais inalcançável... Deixando um rastro de luz por onde passava e as portas abertas para o próximo amanhecer. Pra ele, era essa a ordem natural dos fatos.



Ela ouviu falar que mulher tem é que saber se valorizar, porque todo homem é canalha o suficiente pra te machucar. Todo e qualquer homem nunca é bom o suficiente. Tem que provar que te merece!

-O que você me pede sorrindo que eu não te faço chorando?

Era o que ela poderia responder a eles, nos primeiros encontros. E ela lá era mulher de fazer tudo o que o homem quer? Ela era muito mais do que um rolinho qualquer. Tinha de se fazer de difícil: desmarcava várias vezes antes de saírem pela primeira vez.

E quando finalmente saíam, ela era fria, gélida. Não penteava o cabelo com as unhas, não inclinava o corpo na direção deles, não sorria fácil, não dava aberturas. Nenhuma.

Ela sabia que não deveria se arrastar atrás deles, nem demonstrar interesse, por que assim as coisas ficam simples demais para eles. E ela sabia que as mulheres devem complicar ao máximo. Sabia que os homens pensam que as mulheres são como notas de dinheiro: ninguém se arrepende de gastar um papel valendo dois reais. Mas aquela nota bonitinha, novinha valendo cem, que você quase nunca vê na carteira, realmente vai fazer falta!

E por isso, não se entregaria a dengos de um Dom Juan descartável. Não se entregaria pra depois chorar seu abandono.







Os dois achavam que as suas lágrimas não compram o sorriso um do outro.

domingo, 24 de julho de 2011

Calma alma minha, calminha... Você tem muito que aprender!

“Dentro de mim mora um grito. De noite, ele sai com suas garras, à caça de algo para amar”
(Sylvia Plath)


-por Otávio Silva


O que lhe leva a fazer as mesmas coisas de antes agora? O que lhe leva a algum lugar? Nada mais que a conveniência de estar vivo? Será que é tão conveniente assim?

Saí de mim durante o dia de ontem. Ainda enquanto eu dormia, acordei e saí de meu corpo. Descolei cada centímetro da matéria podre que adormecia na minha cama. Levantei devagar. Era bem mais leve andar assim: sem roupas de carne e osso. No lusco-fusco da manhã, a minha visão se acostumava com a ausência dos globos oculares.

Buscava com aquilo encontrar fora de mim o que procurava em outras pessoas. O que será que lhe falta de verdade? Coragem, vontade, concentração, foco? Às vezes, penso que isso tudo é o que mais sobra em mim mesmo.

Não vou atrás do que me é gêmeo: a lua crescente possui prontamente em si a outra metade minguante. É só uma questão de tempo e ponto de vista para que a metade vazia encontre a metade cheia nessa briga dos opostos. Já diziam os filósofos: o Amor nada mais é que a busca por aquilo que você não possui. Então, vamos lá!

Atravessei a janela do meu quarto como não faria um cínico e bobo lençol ambulante. Apesar da altura, o que eu tive é dificuldade de cair ao chão. Minha leveza me atrapalhava nessa questão. Eu tinha de fazer forças para não sair flutuando em direção ao Sol. Não era isso o que eu queria. Não agora.

Persegui as pessoas queridas. Corri atrás de todas elas, como nunca tinha corrido atrás de ninguém. Abraçava-as, mas elas, nem ao menos, me sentiam... Dizem que os olhos são a janela da alma... Entrei em corpos quaisquer que interagiam com elas. Abri bem as janelas, falei pelos olhos, identifiquei-me por de trás de retinas que se cobriam de lágrimas, cada vez mais e mais. Lágrimas que mais pareciam cortinas ou venezianas.

Fechavam a janela, trancavam a porta. As pessoas não olham mais nos olhos. Olhar para o sol de um dia ensolarado deve doer menos. As pessoas não se tocam mais. Talvez apertar a mão de um cacto seja mais fácil. Sentir o fedor intenso de uma grande cidade é muito mais tranquilo que sentir as emoções que lhe são proporcionadas. Eu tinha de sair daquelas salas escuras e, então, entrava em outras. Passeava por aí... Assim mesmo, sem rumo... De um corpo ao outro, tentando experimentar todos os pensamentos que eu nunca tive. Angústias, brigas e ansiedades que não eram minhas. Comemorações, risadas e felicidades que eu tomava emprestado. Devolveria um dia? Não sei.

De tudo um pouco. Invadia todos. No espelho, a mesma expressão sem rosto de quando você tapa os olhos para não sair em uma foto.

De moradores de rua a donos de bancos. De crianças de colo a senhores de bengala. Mulheres todas: baixas, altas, gordas, bonitas, feias, loiras, morenas, ruivas, grisalhas, freiras e putas. Canalhas, falastrões, carrancudos, altos, caras boa-pinta... Insanidade, as mesmas picuinhas, um pouco de todo tipo de preconceito. Uma pitada para todos os gostos. Obscenidades para todos os gestos.

Ladrões e assassinos são menos culpados. Estupradores e homens-bomba são mais perdoáveis. A lua chega ao céu bem antes do Sol partir. Sem pedir licença, às quatro da tarde, ela já está lá como quem lembra de sua própria existência apesar de seu tamanho muitas vezes inferior ao astro-rei.

Tamanho é documento? E o tamanho do documento que te incrimina, faz diferença? Um relatório inteiro de seus pensamentos, suas almas, seus espíritos, um scanner. Que curiosidade eu tenho! Mas enquanto isso, eu ainda dormia sentindo falta da minha própria essência. Tive que voltar, até a próxima... Ainda não é hora de partir!

quinta-feira, 31 de março de 2011

Quebrando as Paredes

-por Daniel Bagagli

Nossa cabeça funciona como as quatro paredes de uma casa, possuindo também um par de janelas, que são nossos olhos. Como toda janela de casa, nossos olhos possibilitam a visão do exterior de nossas paredes, do mundo fora delas.
E o problema mora exatamente aí: a amplitude de visão das janelas de nossas casas é finita. Conseguimos enxergar apenas uma fração do mundo visível - 180 graus e alguma distância cujos valores exatos não importam, pois são apenas frações minúsculas de um todo.
As paredes exercem dupla função para esse problema: diminuem a amplitude de visão à metade, além de não permitirem movimentação. Ou seja: das janelas de nossas casas, sempre teremos a mesma paisagem.
E desse pequeno mundo que enxergamos, absorvemos informações - adquirimos conhecimento. Passamos a entender essa paisagem, formando, assim, opiniões. Essas, por estarem trancadas, chocam-se interminavelmente contra as quatro paredes de nossas cabeças.
E apesar de termos opiniões, elas são apenas sobre aquilo que vemos: o que nos torna completamente cegos para aquilo que não CONSEGUIMOS enxergar.
Sobre aquela nossa paisagem costumeira, temos os nossos ‘certos’ e ‘errados’. Mas que SÓ podem e SÓ devem ser aplicados àquela parcela do espaço. Em nosso mundo, conhecidos como ‘certos’ e ‘errados’. Em um outro (escondido atrás de nossas paredes e que não conseguimos enxergar), conhecidos como ‘errados’ e ‘certos’.
A existência de paredes em nosso mundo nos cega. Impede-nos de, a cada dia, reavaliarmos nossas opiniões. Mantêm-nos longe de uma convivência digna entre todos. Impede-nos de perceber que não existe UMA SÓ paisagem. Nem um só mundo.
Existem vários pequenos mundos, cada um digno de sua beleza, de seus ‘certos’ e ‘errados’, que formam, em uma amplitude de 360 graus e a distâncias infinitas, o nosso Mundo.

sábado, 26 de março de 2011

Hipertrofia do Poder Executivo no regime brasileiro – Análise da teoria sobre Separação dos Poderes


(adaptação de A Liberdade Guiando o Povo, de Eugène Delacroix)
-por Otávio Silva

A ideia de dividir o poder do Estado é tão antiga quanto às reflexões de Aristóteles em seu livro A Política. Isso devido ao confronto inerente entre o poder e o Estado, cuja discussão tornou-se tema de ciência ao estabelecer formas, sistemas, regimes, tipos de governo, tudo a fim de definir as diferentes formas de aquisição, distribuição e exercício do poder.
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A teoria atual de divisão das funções e tarefas do Estado, afinal de contas o poder dele é indivisível, apoiada na Revolução Francesa ao contemplar principalmente a liberdade individual contra o Estado, vem da obra O Espírito das Leis de Montesquieu. Inspirado em John Locke e no Bill of Rights, o filósofo francês consagrou um dos princípios constitucionais mais importantes da democracia, e com isso, criou institutos e órgãos responsáveis pela administração, legislação e jurisdição. Tudo isso a fim de limitar a possibilidade do arbítrio e do abuso na condução do poder estatal, uma vez que, como prevê nossa querida Constituição Federal em parágrafo único de seu primeiro dispositivo: “Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos, ou diretamente”.
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Não obstante, vale lembrar que os órgãos criados a partir da teoria em questão devem ser autônomos, de maneira que atuem, sobretudo, com independência e harmonia. Via de regra, esses órgãos executam funções distintas e indelegáveis. Entretanto, é comum e perfeitamente saudável para a maior liberdade entre eles, que cada um exerça, além de seu próprio papel, um pouco do papel dos outros.
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Tomando, então, como base o texto constitucional, podemos exemplificar uma função atípica de cada um dos poderes do Estado brasileiro. O artigo 52, inciso I dispõe sobre o desempenho de uma atividade de caráter jurídica de um órgão tipicamente legislador: “Compete privativamente ao Senado Federal processar e julgar o Presidente e o Vice-Presidente da República nos crimes de responsabilidade, bem como os Ministros de Estado e os Comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica nos crimes da mesma natureza conexos com aqueles.”; da mesma maneira que a alínea b do segundo inciso do artigo 96 antecipa uma característica administrativa a órgãos do Poder Judiciário: “Compete privativamente ao Supremo Tribunal Federal, aos Tribunais Superiores e aos Tribunais de Justiça propor ao Poder Legislativo respectivo [...]a criação e a extinção de cargos e a remuneração dos seus serviços auxiliares e dos juízos que lhes forem vinculados, bem como a fixação do subsídio de seus membros e dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores”; analogamente, o artigo 62 indica: “Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional.”
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Nesse último exemplo, temos a evidente intromissão do Poder Executivo em uma tarefa de caráter legislativo. Normal, se fosse utilizado de maneira razoável. No entanto, sabendo que somente no dia 31 de dezembro do último ano foram publicadas nada menos que seis medidas provisórias. Desde a promulgação da Constituição Federal, foram mais de quinhentas! Será que o dispositivo, que deveria ser exceção, não está sendo utilizado em demasia?
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Além disso, é importante ressaltar a ligação dos membros do Supremo Tribunal Federal, órgão máximo do Poder Judiciário, guardião dos princípios e artigos da Constituição, à figura pessoal do Presidente, como ressalva o parágrafo único do artigo 101 da CF/88: “Os Ministros do Supremo Tribunal Federal serão nomeados pelo Presidente da República, depois de aprovada a escolha pela maioria absoluta do Senado Federal.”; tendo em vista o fato de nenhuma indicação ter sido reprovada pelo Senado até hoje, tal “sabatina” é apenas mais uma confirmação de posse. Exatamente ao contrário do que se tem no modelo estadunidense, em que muitos indicados renunciam à possibilidade de assumir o cargo antes mesmo da apreciação da câmara legislativa, temendo a posterior rejeição de seu nome.
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É válido para reflexão, já que a extrapolação dos limites do poder por uma das partes do Estado seria de total prejuízo à eficácia e manutenção da democracia. Isto posto, cabe também uma rápida análise política da História mais recente do Brasil.
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Após deixarmos de sermos colônia de exploração dos portugueses, logo seguimos o modelo de Império da metrópole lusitana. Acostumamo-nos à figura de um líder que concentrava as figuras de chefe de Estado e chefe de governo, suportando, inclusive, a existência de um inédito e irônico “parlamentarismo às avessas”, controlado por um “Poder Moderador”.
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Passada, pois, a República Velha, o “pai dos pobres”, Getúlio Vargas conseguiu, tanto sob a égide da democracia, quanto com uso da força ditatorial do Estado Novo, reunir, em sua imagem e carisma, a responsabilidade por todos os tópicos do país: a situação econômica, a segurança jurídica e política, o desenvolvimento da indústria, da agricultura, a organização da cultura etc. De maneira igual ao Estado Novo, estabeleceu-se também um regime concentrado na autoridade de líderes, dessa vez, militares, durante a segunda metade do último século.
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Temos, portanto, pouco tempo de maturidade e desenvolvimento da democracia. Tempo este, insuficiente para que mudemos não só figurinhas carimbadas da política brasileira, advindas de épocas menos republicanas, mas insuficiente também para mudarmos a cultura da geração que cresceu com essa centralização das tarefas do Estado e também aprendeu de seus ascendentes sobre esse modo de exercício do poder. É tão evidente esse pensamento do brasileiro que costumeiramente, prefere-se discutir a escolha de membros dos executivos, seja qual for a esfera de atuação, a dos membros das respectivas câmaras legislativas. Nessa mesma linha, é mais fácil alguém lembrar-se de para quem votou no Executivo em todas as eleições que participou, do que em quem depositou seu sufrágio nas últimas para o Legislativo.
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E, por fim, frente ao nosso passado de claras manifestações abusivas e altamente concentradas do poder, a presente hipertrofia dos órgãos de caráter administrativos com relação aos outros, permite, gradual ou mascaradamente, a adoção de regimes menos democráticos no exercício do governo. Cabe, portanto, à atual e às próximas gerações, respeitar cada vez mais a distribuição das funções estatais e fortalecer os institutos criados para proteger essa divisão, a fim de que não deixemos o Brasil passar pelos males já enfrentados e para que aperfeiçoemos cada vez mais a prática democrática.

Wikipedia - Teoria da Separação dos Poderes
Planalto - Medidas Provisórias
Wikipedia - História Política do Brasil

domingo, 13 de março de 2011

O que é, o que é?

-por Otávio Silva

Um trio elétrico inteiro
Caixas de som
A veia pulsa nas têmporas
A batida forte
O cheiro de vida
O coração sobe à mente
Confetes e serpentina, espuma e purpurina
O gosto de boca na sua
O sono tarda a vir

Uma escola de samba inteira
Pandeiro, cuíca, o surdo, o mudo, a festa
A fome longe de sua barriga
A bateria forte
Paradinhas, marchinhas, ritmos e enredos
As pernas soltaram-se dos pés
Fantasias, homenagens, sonhos e devaneios
O calor é intenso

Tudo isso, dentro da sua cabeça, tem outro nome:
Enxaqueca.

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Soluppgång



-por Otávio Silva



















O Sol sempre nasce fraco no horizonte

Um fio laranja como os cachos da menina ruiva

Não incomoda a escuridão da noite

Nem embaça o brilho da Lua

Mal parece aquele do dia de ontem

Que suou as poças da chuva

E espantou o frio pra bem longe

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O Sol cresce largo na vertical

Vai ganhando espaço no céu

Com a força e profunidade de um vendaval

Esconde-se atrás das cortinas da janela do motel

E, além do amarelo, ganha um vermelho carnal

Trás a claridade num véu

Dourando os caminhos da realização pessoal

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A Lua nada pode fazer

Vai sendo ofuscada e humilhada

Escurraçada sem prazer

Junto à noite e à balada

Que fazem você perceber

A falta da pessoa amada

terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Heróis e vilões: a inversão de papéis sociais

-por Matheus Andrés e Otávio Silva

Ativos no inconsciente coletivo, como descrito por Carl Jung, estão os arquétipos: imagens que se originam da constante repetição da mesma experiência ao longo de gerações. Dentre elas, podemos citar o de Si-Mesmo, do Velho-Sábio, da Grande Mãe, da Morte e do Herói, entre outros. Foi, sobretudo, explorando este último que surgiram as inúmeras histórias de contos infantis e de fadas, bem como as mais atuais epopéias hollywoodianas ou de desenhos animados.
Os famosos super-heróis são aqueles que fazem de tudo pelos seus ideais, defendem famílias e crianças em apuros e combatem o crime, certo? Vilões, por sua vez, são clandestinos que usam de maldade e suborno para conseguirem o que querem, podendo colocar toda uma cidade em risco, não é mesmo? É claro que sim, se tratando do mundo imaginário dos filmes e quadrinhos. Porém, na vida real esses papéis costumam se inverter.
Políticos deveriam ser aqueles que buscam soluções para os problemas enfrentados pela sociedade, apresentam propostas de melhoria de vida e defendem os direitos não apenas de seus eleitores, mas de todos os cidadãos. No entanto, a política (no mundo inteiro e em especial no Brasil) é um jogo de interesses entre partidos e patrocinadores de campanhas publicitárias sem compromisso com a população, uma grande corrupção à custa dos impostos recolhidos e desvios de verbas, em que não existe salvador da pátria. Apenas alguns são menos confiáveis ou mais corruptos que outros, salvo raras exceções. Dessa forma, mesmo que um político seja bem intencionado, é absolutamente impossível que ele possa mudar significativamente o sistema.
Fica evidente que os que deveriam representar os heróis frente aos jovens na realidade não o fazem, uma vez que não vêem vantagens em fazê-lo, pois o que deveria ser considerado um investimento - na educação e na saúde, principalmente - é chamado de “custo” social. Então, esse papel passa a ser interpretado pela família - aqueles que lutam para criá-los com dignidade e proporcionar as melhores condições de vida possíveis aos seus descendentes.
Muito embora vale ainda ressaltar o característico afastamento dos pais e filhos durante a adolescência. Assim, muitas vezes, caracteriza-se um vazio quanto ao papel de inspirá-los e estimular sua criatividade e pensamento crítico. É aí que surge uma grande questão: os jovens são liderados por aqueles que desempenham o exemplo máximo em seu contexto psicológico. O menino que gosta de ler, vê em grandes escritores seus ídolos; o que gosta de matemática, nos pensadores gregos; o que é mais chegado às artes, adora aos artistas renascentistas; e por aí vai, criando então referências válidas no que tange à formação acadêmica, profissional, cultural e vocacional. Mas o que acontece quando o governo, então, decide não desempenhar seu papel de investir nas condições básicas para esses meninos se desenvolverem, e atingirem seus potencias? Nas esferas mais prejudicadas da sociedade, as periferias, quem é herói, se os jovens vivem uma realidade de pobreza e violência, em que sair da miséria é mérito de algumas poucas pessoas de extremo talento, combinado com uma boa dose de sorte, como cantores ou jogadores de futebol?
Questão essa muito profunda e difícil de ser respondida, que merece, portanto, toda a atenção. A escassez de oportunidades de emprego e o sonho distante de uma vida melhor fazem com que os traficantes sejam considerados ídolos por parte dos moradores das favelas, porque controlam seu negócio mais lucrativo, as drogas, e com isso, conseguem uma maior notoriedade. Imagine, por conseguinte, um garoto, cujos pais se sacrificam todo dia em subempregos, que passa fome e vê só carros importados e correntes de ouro nas mãos dos "donos do tráfico". O que ele pensa de tudo isso? É uma situação triste, porém presente no cotidiano de milhões de adolescentes que desistem da idéia de estudar ou trabalhar e entram na criminalidade.
Muitas são as expressões culturais que retratam essa realidade. No campo da música, é possível destacar a canção de Gabriel, o Pensador, intitulada Palavras Repetidas, em que os versos “eu vejo um Bin Laden em cada favela, herói da miséria, vilão exemplar” vão de encontro à inversão de papéis declarada. A composição Rap é Compromisso, de Sabotage, também retrata de forma clara a vida de um traficante, que não deseja fazer parte do crime, porém está envolvido nele e é adorado pelos garotos da periferia, respectivamente nos trechos "disse muitas vezes não, não era o que queria, mas andava como queria, sustentava sua família..." e "exemplo do crime, eu não sei se é certo... na zona sul é o terror, ele é o cara do morro...". Mas o maior exemplo é o da letra de Numa Cidade Muito Longe Daqui, de Arlindo Cruz, Franco e Acyr Marques, interpretada por Marcelo D2 e Leandro Sapucahy. Nesta, é feita por inúmeras imagens e ironias, justamente a contraposição entre as figuras do herói, do vilão, do policial e do bandido.
Cumpre salientar também o filme Corpo Fechado, (2000), do diretor indo americano M. Night Shyamalan. Tendo como tema os próprios super-heróis, aborda exatamente seu aspecto psicológico. Samuel L. Jackson interpreta um sujeito de saúde frágil e que não entende a razão de sua existência. Viciado em histórias em quadrinhos, começa a procurar por alguém com super-poderes, literalmente o seu oposto. Acredita, então, ter encontrado ao conhecer o único sobrevivente de um acidente de trem fatal, o personagem interpretado por Bruce Willis. Excelente produção, intensa e que conta com talento ímpar dos atores e algumas cenas surreais, enfocando a necessidade do ser humano em ser alguém na vida, ou seja, assumir um papel perante a sociedade.
Mais uma reprodução artística verdadeira que pode ser encarada como o ápice dessa discussão é o longa-metragem Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro, 2010, do diretor José Padilha, cuja atenção deve voltar à cena em que o Coronel Nascimento (Wagner Moura) admite não conseguir responder à pergunta de seu filho sobre a razão pela qual ele matava em seu trabalho, o que desjustifica a sua anterior heroinização por parte da imprensa. Tal ponto fugiu das telas e se tornou um dos assuntos mais comentados após os recentes conflitos do BOPE com os traficantes dos morros no Rio de Janeiro, em que a mídia estereotipou os dois lados do conflito de acordo com seus interesses. Porém, o real problema, que é a falta de condições, é mascarado, e acaba se propagando a ilusão de que a partir daquela ação militar, as coisas irão melhorar. Enquanto isso, na favela; são enterrados os mais novos mártires da luta contra a opressão social e a falta de preocupação de seus representantes políticos
Enfim, é chocante, porém comum ouvir que a solução para a maioria dos problemas atuais seria jogar bombas sobre as favelas e periferias, ou incentivos às ações como esta última citada. Elitismos à parte, conclui-se que as pessoas, ao tratarem o problema desta maneira, consideram apenas fragmentos de sua totalidade, enxergando uma imagem distorcida que chega a elas e que iguala os inocentes aos criminosos e, portanto, sustenta o preconceito. É crível que grande parte da população já não se ilude com discursos políticos, no entanto o maior responsável para solucionar essa desastrosa realidade é justamente o governo, que deve proporcionar ensino de qualidade e condições de vida dignas para o povo. Portanto, cabe a cada um de nós sermos prudentes e bem informados para melhor escolher os nossos governantes e, principalmente, tentarmos nos colocar no lugar do outro antes de julgá-lo, para então encontrar uma maneira de ajudar, seja ela qual for.

quinta-feira, 20 de janeiro de 2011

Piolho

-por Otávio Silva
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A chuva já passara e as pessoas começavam a sair de baixo da proteção que a própria estação de metrô representava. Esta era a cena quando, após eu descer as escadas rolantes, me virei em direção às catracas para voltar para casa, após mais un longo dia de trabalho, naquela segunda-feira.
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A camisa social cinza, que eu ganhei da minha mãe no natal passado, já flagrava o suor embaixo do braço pelo calor característico da época do ano. A gravata, eu já tirara e guardara no bolso, a fim de tentar amenizar a temperatura no empurra-empurra dentro dos vagões, normal para aquela hora do dia. Os sapatos e os cintos, apertadíssimos; meus pés já quase saltavam para fora, e a barriga, agora já fora da forma áurea da juventude, admito que também queria saltar. Meus óculos, apesar de embaçados pela umidade e transpiração minha e das pessoas ao redor, eu não podia nem pensar em tirar. Muito embora esquentavam minhas têmporas, fazendo-as suar ainda mais, sem eles, já faz tempo que eu não enxergo muita coisa.
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Saindo da escada rolante, passei a catraca e, em seguida, pela beira - ainda gotejante - do teto da estação. É impressionante como São Pedro agendou a chuva junto aos patrões das empresas de São Paulo para a mesma hora que os empregados saem do trabalho. Todo dia: aquela chuva era sagrada pra a rotina do trabalhador paulistano: estava prevista na CLT. Parei no senhor da pipoca que fica ali à tarde, debaixo do seu toldinho, se protegendo da chuva. Já me sentia mal pela falta de sal no corpo: o corte do almoço, por parte da dieta sugerida pelo médico, realmente fazia falta.
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Tentava fazer um certo malabarismo ao equilibrar o saco da pipoca e a carteira em uma das mãos e, ao mesmo tempo, com a outra, pegar e contar o troco. "Mista, com a salgada em cima, por favor!" falava em tom de voz alto um moleque ao meu lado. Eu me virei, terminando de guardar a carteira e vi que o menino mal alcançava o balcão improvisado do carrinho da pipoca daquele senhor. "Talvez por isso falava tão alto" pensei eu. Seu rosto denunciava sua idade: o rídigo contraste da pele lisa de jovem com algumas espinhas nas bochechas davam suporte para um emaranhado de cabelos que mais pareciam um ninho.
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Eu já me virara, me distanciara do senhor da pipoca uns dez metros, e já esvaziara o saco da pipoca pela metade, quando aquele moleque me cutucou na ponta do seu chinelo:
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- Tio, não é você quem trampa naquele banco da Avenida Paulista?
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Eu, primeiramente, me assutei. Depois, que mané, "tio"? "Tio" é o escambau! E ainda mais, como ele realmente sabia o meu emprego?
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- Não, sou eu não, moleque! respondi com muita insegurança.
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-É sim! Eu tenho certeza! fazia ele um estardalhaço com a descoberta. Não é você quem fica ali no último balcão da esquerda? dizia ele com uma certeza nos dentes.
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Meu Deus! Como é que esse moleque sabia isso?! E o que será que ele queria comigo?! Neguei denovo as perguntas dele, e tentando me desevencilhar do menino, quase escorreguei numa poça d'água que havia se formado e derrubei o resto das pipocas no chão!
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- Tio, foge não, tio! Eu sou seu fã! - bradava o menino, com um sorriso cada vez maior no rosto.
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Ele devia estar brincando comigo. Meu o quê? Meu fã? Em um primeiro momento, limpei as gotas de água da minha calça, empinei o nariz e caminhei leve pra casa, ignorando o menino. Imaginei-me de óculos escuros, cabelão, jaqueta de motoqueiro, igual aos meus ídolos da juventude! Ou então, de meia e calção suados, vestindo a camisa 10 do meu time de coração, com um monte de repórteres me rodeando na beira do campo. Mas aí lembrei das contas que ainda haviam a pagar, que me esperavam ansiosamente em casa, e caí em mim: se eu fosse de verdade alguma dessas figuras que, em um pequeno lapso de tempo, imaginei ser, não teria conta nenhuma a pagar, talvez nem mais me preocuparia com essas coisas, e, então, o moleque me acordou:
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- Tio, que custa? Eu só quero um autógrafo! - agora esbravejava, após ter roubado um guardanapo daquele carrinho de pipoca e ter voltado correndo.
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- Qual seu nome? - lhe perguntei, aproveitando que minhas mãos estavam vazias, por motivo do saquinho ter caído, e pegando uma caneta do bolso da camisa. Isto com a maior educação possível, considerando a minha vontade de chegar logo em casa e a clara impaciência com o guri.
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- Pode pôr "Piolho", tio, é assim que a molecada me chama aqui no bairro. - respondeu o agora tímido e recém-nomeado "Piolho".
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-Pronto!
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O papel chorava "Para o Piolho, um abraço do tio do banco da Paulista" com a minha assinatura embaixo. A fragilidade daquele papel perto de minhas canetadas violentas, acumulou alguns rasgos junto à assinatura, mas para o Piolho não tinha problema. Deu-me um sorriso, estendeu-me a mão. Cumprimentei-o de volta e vesti um sorriso por todo o caminho de casa.

quarta-feira, 19 de janeiro de 2011

Minha Futura Ex-Namorada

-por Otávio Silva

Um amor pode ser pra sempre. Pode sim, claro que pode. E também pode não ser. Tem até aquela pergunta: "se é pra terminar, pra quê começar?", mas quando se começa um namoro, e mesmo no meio dele, não dá pra saber se vai durar ou não. Por mais que um dos dois queira muito a eternidade ao lado do outro, não dá pra ter certeza. Nem se um dos dois não queira de jeito nenhum. Mesmo ainda que os dois queiram ficar juntos até o final da vida. Mas uma coisa é certeza: ex é pra sempre.
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Depois que o relacionamento acaba, o outro vira ex, e ponto. Não tem como mudar. Existe ex pentelho, que fica correndo atrás, enchendo o saco, agourando a antiga pessoa amada, até para esta não conseguir ter outro alguém. Porém também existe ex que não liga mais e desaparece. Mas são todos ex's.
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Isso porque mesmo que um dos dois já tenha se relacionado com outras pessoas, independente de quantas, nenhuma delas - desde a primeira, até a mais recente - deixarão de serem ex's. Mesmo ainda que todo tipo de sentimento e relação se esgotem.
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Inclusive se o sentimento se transforme a ponto de a relação mudar, para um tipo de amizade, sem segundas intenções, sem resíduos de mágoas, com as feridas curadas e tudo o mais. Vai continuar sendo ex. Ninguém se refere àquela pessoa com quem já teve algo sério, como "amigo(a)" para os próprios amigos, ou entes mais próximos.
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Ao mesmo tempo em que se acontecer daquela pessoa ficar com alguém conhecido, alguém vai falar: "Fulano ficou com a ex de beltrano!". Até se, um dia, um ex-casal reate, ouvirão que voltaram com o/a ex.
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É por isso que existem adjetivos que não cabem a alcunha de ex. Não existe ex-familiar: ex-pai, ex-mãe. Nem ex-amigo. Por mais que a pessoa já tenha morrido, ou tenham brigado, deixado de se falar, as pessoas costumam falar:
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-"Ah, ele era meu amigo."
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Ex já é outra coisa, outra palavra. E as palavras tem força de expressão própria, as palavras tem vida! Seja lá o que signifiquem exatamente...Por isso, é melhor tomar cuidado ao escolher seu possível próximo ex-namoro.

domingo, 9 de janeiro de 2011

Inferno Astral

-por Otávio Silva


Era o amor se transformando em "bom dia". Eu estava pensando nela quando o celular tocou. O identificador de chamadas confirmou o meu pensamento: era ela. É... Ela bem que tinha mesmo dito que ia ligar. Demorou, mas ligou. Mas eu não quis atendê-la.
Nem um minuto passara que o celular parou de tocar e ela tornou a me ligar e eu, então, atendi de prontidão:
-Alô?!
Ela me respondeu "oi!" do outro lado, com a mesma voz meiga e doce que tinha ao telefone desde a primeira vez que eu tomei coragem de ligar pra ela. Perguntou-me se eu estava ocupado.
-Não, pode falar.
-E porque não me atendeu antes?
-Por que eu queria ver se você ligaria de novo. Ela riu e eu senti do outro lado da linha o seu sorriso de ternura. E eu continuei - É, foi pra ter certeza de que você queria mesmo falar comigo ou se foi só uma ligação do tipo: "olha, eu tentei te ligar, depois não diga que eu não tentei!"
E ela riu novamente, dessa vez de ironia:
-Não, claro que não, magina, eu nunca faria isso! Ela disse pra me provocar, pois sabia o quanto eu odiei todas as vezes que ela já havia feito - Quero mesmo falar com você! Meus parabéns pelo seu aniversário, querido! Te desejo tudo de bom e do melhor pra você e mais todos os mimos que você já deve ter escutado hoje, não é? Não se ache importante, mas é que você merece. Usou ela as mesmas palavras que usava há tanto tempo... Tempo que ficou pra trás.
-Brigado, foi só o que eu respondi, com um sorriso no rosto que eu sei que ela percebeu.
Um sorriso meio desbotado, ziguezagueando entre as nuances de cores próximas ao amarelo. Ficara realmente feliz com aquelas palavras e com aquela ligação. Depois de tantas vezes que ela tinha dito que ia me ligar e não ligara, mas dessa vez, ela ligou mesmo. De tanta gente que falou que ia ligar e não ligou, mas, pelo menos, dessa vez, ela ligou mesmo. De todos os mimos que eu já tinha mesmo ouvido e tantas coisas boas que pessoas tinham me desejado, dela era diferente. Ainda era diferente, depois de tanto tempo.
Eu apostaria comigo mesmo que se não atendesse todas as ligações de primeira, poucas seriam as que ligariam denovo. E eu sei que eu ganharia a aposta! E justo aquela que eu menos esperava que tornaria a ligar, tornou. Mas aquilo era pouco.
É engraçado como os sentimentos e relações mais profundas que você tem um dia, depois podem se transformar em um bom dia aqui, uma ligação no dia do aniversário ali, um cartão no natal acolá... Coisas simples, bonitas e que realmente importam, mas ainda assim pequenas. Insuficientemente pequenas.

sábado, 8 de janeiro de 2011

Feliz Ano Novo

-por Otávio Silva

Só para constar, o ano de 2010 se despediu sorrindo. Seu último nascer do Sol foi muito mais bonito que o primeiro de 2011. Sorte de quem viu.

Inúmeros são os clichês dessa nobre época! "Ano novo, vida nova!", "o futuro já começou!", "feliz ano novo, adeus ano velho!", champagne, sementes de tudo quanto é coisa, pular ondinhas... Engraçado como a humanidade toda se reúne em torno de um dia, da mesma forma que a Terra gira em torno do Sol. E é justamente a cada trezentos e sessenta e cinco dias do início desse movimento, quando se completa a volta, inicia-se uma nova marca de tempo. Engraçado mesmo é comemorar tal data, seria uma forma de celebrar a mera continuidade de sobrevivência da espécie humana? E ao mesmo tempo em que é 2010 ainda aqui, já não é do outro lado do mundo, ou será que é ao contrário? Sei lá...

Mas como saber se essa festa é mesmo sua, é mesmo nossa? É mesmo de quem quiser; de quem vier? Deve ter sido curiosa a hora da virada para aqueles que trabalham soltando os fogos da Copacabana. E como será que foi a virada para o senhor que trabalha na portaria de prédio na praia? Ou para o que mora ali embaixo do ponto de ônibus perto da sua casa? Que azar o dos funcionários do metrô que não conseguiram folgar dia 31 à noite, hein? Ou azar seria não ter emprego para ter folga? O que seria mais triste, afinal: ter família, amigos e não poder comemorar junto ou simplesmente, não ter ninguém?

E você, passou bem a virada? Então, feliz ano novo.