O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






domingo, 24 de julho de 2011

Calma alma minha, calminha... Você tem muito que aprender!

“Dentro de mim mora um grito. De noite, ele sai com suas garras, à caça de algo para amar”
(Sylvia Plath)


-por Otávio Silva


O que lhe leva a fazer as mesmas coisas de antes agora? O que lhe leva a algum lugar? Nada mais que a conveniência de estar vivo? Será que é tão conveniente assim?

Saí de mim durante o dia de ontem. Ainda enquanto eu dormia, acordei e saí de meu corpo. Descolei cada centímetro da matéria podre que adormecia na minha cama. Levantei devagar. Era bem mais leve andar assim: sem roupas de carne e osso. No lusco-fusco da manhã, a minha visão se acostumava com a ausência dos globos oculares.

Buscava com aquilo encontrar fora de mim o que procurava em outras pessoas. O que será que lhe falta de verdade? Coragem, vontade, concentração, foco? Às vezes, penso que isso tudo é o que mais sobra em mim mesmo.

Não vou atrás do que me é gêmeo: a lua crescente possui prontamente em si a outra metade minguante. É só uma questão de tempo e ponto de vista para que a metade vazia encontre a metade cheia nessa briga dos opostos. Já diziam os filósofos: o Amor nada mais é que a busca por aquilo que você não possui. Então, vamos lá!

Atravessei a janela do meu quarto como não faria um cínico e bobo lençol ambulante. Apesar da altura, o que eu tive é dificuldade de cair ao chão. Minha leveza me atrapalhava nessa questão. Eu tinha de fazer forças para não sair flutuando em direção ao Sol. Não era isso o que eu queria. Não agora.

Persegui as pessoas queridas. Corri atrás de todas elas, como nunca tinha corrido atrás de ninguém. Abraçava-as, mas elas, nem ao menos, me sentiam... Dizem que os olhos são a janela da alma... Entrei em corpos quaisquer que interagiam com elas. Abri bem as janelas, falei pelos olhos, identifiquei-me por de trás de retinas que se cobriam de lágrimas, cada vez mais e mais. Lágrimas que mais pareciam cortinas ou venezianas.

Fechavam a janela, trancavam a porta. As pessoas não olham mais nos olhos. Olhar para o sol de um dia ensolarado deve doer menos. As pessoas não se tocam mais. Talvez apertar a mão de um cacto seja mais fácil. Sentir o fedor intenso de uma grande cidade é muito mais tranquilo que sentir as emoções que lhe são proporcionadas. Eu tinha de sair daquelas salas escuras e, então, entrava em outras. Passeava por aí... Assim mesmo, sem rumo... De um corpo ao outro, tentando experimentar todos os pensamentos que eu nunca tive. Angústias, brigas e ansiedades que não eram minhas. Comemorações, risadas e felicidades que eu tomava emprestado. Devolveria um dia? Não sei.

De tudo um pouco. Invadia todos. No espelho, a mesma expressão sem rosto de quando você tapa os olhos para não sair em uma foto.

De moradores de rua a donos de bancos. De crianças de colo a senhores de bengala. Mulheres todas: baixas, altas, gordas, bonitas, feias, loiras, morenas, ruivas, grisalhas, freiras e putas. Canalhas, falastrões, carrancudos, altos, caras boa-pinta... Insanidade, as mesmas picuinhas, um pouco de todo tipo de preconceito. Uma pitada para todos os gostos. Obscenidades para todos os gestos.

Ladrões e assassinos são menos culpados. Estupradores e homens-bomba são mais perdoáveis. A lua chega ao céu bem antes do Sol partir. Sem pedir licença, às quatro da tarde, ela já está lá como quem lembra de sua própria existência apesar de seu tamanho muitas vezes inferior ao astro-rei.

Tamanho é documento? E o tamanho do documento que te incrimina, faz diferença? Um relatório inteiro de seus pensamentos, suas almas, seus espíritos, um scanner. Que curiosidade eu tenho! Mas enquanto isso, eu ainda dormia sentindo falta da minha própria essência. Tive que voltar, até a próxima... Ainda não é hora de partir!

Um comentário:

  1. Queria poder comentar várias coisas sobre isso, mas ainda estou digerindo o que li.

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