O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Heróis e vilões: a inversão de papéis sociais

-por Matheus Andrés e Otávio Silva

Ativos no inconsciente coletivo, como descrito por Carl Jung, estão os arquétipos: imagens que se originam da constante repetição da mesma experiência ao longo de gerações. Dentre elas, podemos citar o de Si-Mesmo, do Velho-Sábio, da Grande Mãe, da Morte e do Herói, entre outros. Foi, sobretudo, explorando este último que surgiram as inúmeras histórias de contos infantis e de fadas, bem como as mais atuais epopéias hollywoodianas ou de desenhos animados.
Os famosos super-heróis são aqueles que fazem de tudo pelos seus ideais, defendem famílias e crianças em apuros e combatem o crime, certo? Vilões, por sua vez, são clandestinos que usam de maldade e suborno para conseguirem o que querem, podendo colocar toda uma cidade em risco, não é mesmo? É claro que sim, se tratando do mundo imaginário dos filmes e quadrinhos. Porém, na vida real esses papéis costumam se inverter.
Políticos deveriam ser aqueles que buscam soluções para os problemas enfrentados pela sociedade, apresentam propostas de melhoria de vida e defendem os direitos não apenas de seus eleitores, mas de todos os cidadãos. No entanto, a política (no mundo inteiro e em especial no Brasil) é um jogo de interesses entre partidos e patrocinadores de campanhas publicitárias sem compromisso com a população, uma grande corrupção à custa dos impostos recolhidos e desvios de verbas, em que não existe salvador da pátria. Apenas alguns são menos confiáveis ou mais corruptos que outros, salvo raras exceções. Dessa forma, mesmo que um político seja bem intencionado, é absolutamente impossível que ele possa mudar significativamente o sistema.
Fica evidente que os que deveriam representar os heróis frente aos jovens na realidade não o fazem, uma vez que não vêem vantagens em fazê-lo, pois o que deveria ser considerado um investimento - na educação e na saúde, principalmente - é chamado de “custo” social. Então, esse papel passa a ser interpretado pela família - aqueles que lutam para criá-los com dignidade e proporcionar as melhores condições de vida possíveis aos seus descendentes.
Muito embora vale ainda ressaltar o característico afastamento dos pais e filhos durante a adolescência. Assim, muitas vezes, caracteriza-se um vazio quanto ao papel de inspirá-los e estimular sua criatividade e pensamento crítico. É aí que surge uma grande questão: os jovens são liderados por aqueles que desempenham o exemplo máximo em seu contexto psicológico. O menino que gosta de ler, vê em grandes escritores seus ídolos; o que gosta de matemática, nos pensadores gregos; o que é mais chegado às artes, adora aos artistas renascentistas; e por aí vai, criando então referências válidas no que tange à formação acadêmica, profissional, cultural e vocacional. Mas o que acontece quando o governo, então, decide não desempenhar seu papel de investir nas condições básicas para esses meninos se desenvolverem, e atingirem seus potencias? Nas esferas mais prejudicadas da sociedade, as periferias, quem é herói, se os jovens vivem uma realidade de pobreza e violência, em que sair da miséria é mérito de algumas poucas pessoas de extremo talento, combinado com uma boa dose de sorte, como cantores ou jogadores de futebol?
Questão essa muito profunda e difícil de ser respondida, que merece, portanto, toda a atenção. A escassez de oportunidades de emprego e o sonho distante de uma vida melhor fazem com que os traficantes sejam considerados ídolos por parte dos moradores das favelas, porque controlam seu negócio mais lucrativo, as drogas, e com isso, conseguem uma maior notoriedade. Imagine, por conseguinte, um garoto, cujos pais se sacrificam todo dia em subempregos, que passa fome e vê só carros importados e correntes de ouro nas mãos dos "donos do tráfico". O que ele pensa de tudo isso? É uma situação triste, porém presente no cotidiano de milhões de adolescentes que desistem da idéia de estudar ou trabalhar e entram na criminalidade.
Muitas são as expressões culturais que retratam essa realidade. No campo da música, é possível destacar a canção de Gabriel, o Pensador, intitulada Palavras Repetidas, em que os versos “eu vejo um Bin Laden em cada favela, herói da miséria, vilão exemplar” vão de encontro à inversão de papéis declarada. A composição Rap é Compromisso, de Sabotage, também retrata de forma clara a vida de um traficante, que não deseja fazer parte do crime, porém está envolvido nele e é adorado pelos garotos da periferia, respectivamente nos trechos "disse muitas vezes não, não era o que queria, mas andava como queria, sustentava sua família..." e "exemplo do crime, eu não sei se é certo... na zona sul é o terror, ele é o cara do morro...". Mas o maior exemplo é o da letra de Numa Cidade Muito Longe Daqui, de Arlindo Cruz, Franco e Acyr Marques, interpretada por Marcelo D2 e Leandro Sapucahy. Nesta, é feita por inúmeras imagens e ironias, justamente a contraposição entre as figuras do herói, do vilão, do policial e do bandido.
Cumpre salientar também o filme Corpo Fechado, (2000), do diretor indo americano M. Night Shyamalan. Tendo como tema os próprios super-heróis, aborda exatamente seu aspecto psicológico. Samuel L. Jackson interpreta um sujeito de saúde frágil e que não entende a razão de sua existência. Viciado em histórias em quadrinhos, começa a procurar por alguém com super-poderes, literalmente o seu oposto. Acredita, então, ter encontrado ao conhecer o único sobrevivente de um acidente de trem fatal, o personagem interpretado por Bruce Willis. Excelente produção, intensa e que conta com talento ímpar dos atores e algumas cenas surreais, enfocando a necessidade do ser humano em ser alguém na vida, ou seja, assumir um papel perante a sociedade.
Mais uma reprodução artística verdadeira que pode ser encarada como o ápice dessa discussão é o longa-metragem Tropa de Elite 2 – O inimigo agora é outro, 2010, do diretor José Padilha, cuja atenção deve voltar à cena em que o Coronel Nascimento (Wagner Moura) admite não conseguir responder à pergunta de seu filho sobre a razão pela qual ele matava em seu trabalho, o que desjustifica a sua anterior heroinização por parte da imprensa. Tal ponto fugiu das telas e se tornou um dos assuntos mais comentados após os recentes conflitos do BOPE com os traficantes dos morros no Rio de Janeiro, em que a mídia estereotipou os dois lados do conflito de acordo com seus interesses. Porém, o real problema, que é a falta de condições, é mascarado, e acaba se propagando a ilusão de que a partir daquela ação militar, as coisas irão melhorar. Enquanto isso, na favela; são enterrados os mais novos mártires da luta contra a opressão social e a falta de preocupação de seus representantes políticos
Enfim, é chocante, porém comum ouvir que a solução para a maioria dos problemas atuais seria jogar bombas sobre as favelas e periferias, ou incentivos às ações como esta última citada. Elitismos à parte, conclui-se que as pessoas, ao tratarem o problema desta maneira, consideram apenas fragmentos de sua totalidade, enxergando uma imagem distorcida que chega a elas e que iguala os inocentes aos criminosos e, portanto, sustenta o preconceito. É crível que grande parte da população já não se ilude com discursos políticos, no entanto o maior responsável para solucionar essa desastrosa realidade é justamente o governo, que deve proporcionar ensino de qualidade e condições de vida dignas para o povo. Portanto, cabe a cada um de nós sermos prudentes e bem informados para melhor escolher os nossos governantes e, principalmente, tentarmos nos colocar no lugar do outro antes de julgá-lo, para então encontrar uma maneira de ajudar, seja ela qual for.

6 comentários:

  1. Parabéens a vc e ao seu brother, Pima!
    O texto ficou bom DEMAIS. Nao tem quase nada há acrescentar... como eu te disse, as citaçoes, a parte do traficante ser, ao lado de jogadores e cantores, um dos únicos exemplos de ascensao social aos meninos da favela, a crítica aos comentários elitistas toscos... Enfim, mandaram bem pra c"#$%&#!
    Abraçao!

    ResponderExcluir
  2. Bom texto, parabéns a vocês!

    Vamos torcer pra que essa nova legislatura seja pelo menos melhor que a anterior, nesse sentido.

    Abraço! Sigo acompanhando vocês!

    ResponderExcluir
  3. Como sempre vc manda muito red!! Me surpreendeu isso tb partir do teteu!!
    Olha só, descobrindo o outro lado da galera!!
    Texto iradoo,vc sabe que eu adoro ler essas coisas vermelhinho!!!

    ResponderExcluir
  4. Estou totalmente de acordo com o texto. Porém, hoje já sou tão desiludida que ouvir alguém dizer sobre melhoria na educação e políticos coerentes já me leva a pensar em utopia.
    Como vocês mesmos falaram, não há político honesto, e sim uns menos desonestos que outros. Nessa situação, o que fazer? Já que sempre qualquer um que estiver no poder vai pensar primeiro em seu próprio interesse, e não no da nação. E na melhor das hipóteses, se conseguirmos informar a nação o suficiente para elegermos um político honesto, ele, no meio no meio de um bando de animal que faz parte da política, não conseguirá agir de jeito nenhum. Ninguém vai deixar.
    Eu posso ter o pensamento mais pessimista de todos, mas não consigo enxergar nada que me faça pensar diferente. É uma pena...

    ResponderExcluir
  5. Pimaa! amei seu texto!! Muito bem elaborado, bem escrito, com muitas riquezas culturais, uma critica muitoo boaa! parabéns! amo o que você escreve, pode fazer muitos que vou continuar lendo!!

    ResponderExcluir
  6. Menta e teteu!
    Ótimo texto! Muito bem argumentado, nao falta uma virgula!
    Sugiro a leitura de O mal estar na civilizacao de Freud, principalmente quando se fala de sublimação! Da uma abrida na cabeça em relacao ao papel de "capitaes nascimento" e a nossa situacao socio-economica.
    Parabens aos dois!
    Abraços!

    ResponderExcluir