O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Lei da Natureza

-por Otávio Silva



“There is a pleasure in the pathless Woods;

There is a rapture on the lonely shore;

There is society, where none one intrudes,

By the deep sea, and music in its roar:

I love not man the less, but Nature more...”

(Lord Byron)



Encontro-me embaixo de uma amoreira. É quase época delas, mas o chão da praça já se encontra inundado pela tinta rocha de seus frutos pisados ou amassados pela queda dos galhos.

Algumas amoras tornam-se inacessíveis, de forma que além de já estarem em galhos altos, ficam ainda mais longe do solo. Isto, pois a praça é desnivelada, tornando os galhos do lado de baixo do tronco muito elevados, quase impossíveis de serem alcançados. Da mesma forma, os galhos da porção que ficam à cima do centro do tronco parecem mais próximos e de mais fácil acesso.

Correndo o enorme risco de falar besteira, afirmo que de folhas curtas, porém muito espalhadas, a amoreira é uma planta que possui galhos muito finos, o que talvez facilite a passagem de nutrientes e água do solo ao cume. Possivelmente, é essa a razão de serem tão doces as amoras pretas. Seus gomos ficam cheios, e estouram a um toque ligeiramente mais forte, liberando uma pintura roxa escura. Mancha não só o chão abaixo da árvore. Pinta também, obviamente, as mãos dos coletores; as línguas dos consumidores assíduos, os cantos das bocas e a camisa dos mais desastrados.

A amoreira só dá frutos uns dois, no máximo três, meses ao ano. Mas isso funciona mais ou menos que nem o aniversário de um ente querido, mas distante: você se lembra da data sempre, menos no próprio dia. Consegui lembrar um dia desses, quando voltamos ao começo do texto.

Debaixo da copa da árvore, em cima do chão meio avermelhado, que misturava o marrom da terra e o roxo da fruta, eu caçava as amoras mais escuras, que são as mais maduras, e, consequentemente, mais doces. Mas eu não faço lá muita distinção, não! As vermelhas, num ponto intermediário de amadurecimento, estão, por assim dizer, num intermédio entre o gosto suave das negras e o azedo das que ainda estão verdes e duras.

Mal posso comer minhas amoras em paz, chega uma senhora baixinha e gorducha, que já me interpela:

- Ai, eu não consigo passar aqui sem pegar uma ou duas, todos os dias! “Bom pra você”, eu pensei, mas não respondi. Ensaiei um sorriso vermelho pra ela, como se estivesse entre um simpático e um falso, forçado.

A senhora reclamava da altura das frutas e ao mesmo tempo, salientando como eu era alto! Uma bela indireta para eu pegar algumas para ela. De repente, eu passei a não enxergar mais as amoras maduras e quase que procurar as mais azedas. “É só um tempo, essa velhinha não vai ter a mesma paciência que eu, ela vai embora antes e eu vou poder voltar a pegar as melhores pra mim”.

Mas ela era obstinada. Após perceber um cacho visivelmente delicioso naqueles galhos que estavam mais altos, a senhorinha sugeriu que eu pegasse. Porém, esses galhos estavam realmente muito além do meu alcance, de verdade mesmo. Eu até tentei pegá-los, me esticando ao máximo, mas não consegui.

Frustrada, ela foi embora. Já sabendo daquelas avistadas pela senhora, procurei alguma forma de tentar obtê-las e passei a maquinar maneiras, enquanto pegava outras. Neste momento, chegou outra mulher. Dessa vez, mais nova que a anterior, mas decididamente mais velha do que eu, entretanto conservava a beleza nos seus traços.

Percebendo algum tipo de observação minha, ela fez o que todas as mulheres fazem quando notam isso. Abaixam o rosto, desviam o olhar, prestam mais atenção em outras coisas do que elas verdadeiramente merecem, só para não prestar em seu observador. Bom, melhor pra mim, não tenho que fingir estar preocupado com o sucesso da coleta dela. Não dei nem um riso verde.

Passados poucos minutos, agora sim! Fiquei absolutamente sozinho com ela. A outra foi embora. Provavelmente, retornava à rotina, que havia pausado ao passar por ali, no meio da tarde. Provavelmente, já na hora de chegar a casa, fazer a janta para o marido, buscar o filho na escola, sabe lá. Só sei que agora éramos, finalmente, somente nós dois. Eu e a amoreira.

Escalei o tronco, puxei os galhos para baixo, agarrava-me às folhas, sequei aquela árvore! Peguei praticamente todas as frutas possíveis e imagináveis. E daí que se eu deixasse as que ainda não estivessem maduras, elas amadureceriam em um tempo, e eu poderia voltar para pegá-las já maduras? Quem disse que eu conseguiria voltar lá outro dia? Se conseguisse, e se alguém fosse lá antes que eu e pegasse as amoras maduras que eu perdoei? Eu tenho que pensar nisso mesmo? As últimas pessoas deixaram de pegar todas aquelas que eu estava pegando agora, e só por isso eu consegui pegar. E daí?!

Nenhum comentário:

Postar um comentário