O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






domingo, 9 de janeiro de 2011

Inferno Astral

-por Otávio Silva


Era o amor se transformando em "bom dia". Eu estava pensando nela quando o celular tocou. O identificador de chamadas confirmou o meu pensamento: era ela. É... Ela bem que tinha mesmo dito que ia ligar. Demorou, mas ligou. Mas eu não quis atendê-la.
Nem um minuto passara que o celular parou de tocar e ela tornou a me ligar e eu, então, atendi de prontidão:
-Alô?!
Ela me respondeu "oi!" do outro lado, com a mesma voz meiga e doce que tinha ao telefone desde a primeira vez que eu tomei coragem de ligar pra ela. Perguntou-me se eu estava ocupado.
-Não, pode falar.
-E porque não me atendeu antes?
-Por que eu queria ver se você ligaria de novo. Ela riu e eu senti do outro lado da linha o seu sorriso de ternura. E eu continuei - É, foi pra ter certeza de que você queria mesmo falar comigo ou se foi só uma ligação do tipo: "olha, eu tentei te ligar, depois não diga que eu não tentei!"
E ela riu novamente, dessa vez de ironia:
-Não, claro que não, magina, eu nunca faria isso! Ela disse pra me provocar, pois sabia o quanto eu odiei todas as vezes que ela já havia feito - Quero mesmo falar com você! Meus parabéns pelo seu aniversário, querido! Te desejo tudo de bom e do melhor pra você e mais todos os mimos que você já deve ter escutado hoje, não é? Não se ache importante, mas é que você merece. Usou ela as mesmas palavras que usava há tanto tempo... Tempo que ficou pra trás.
-Brigado, foi só o que eu respondi, com um sorriso no rosto que eu sei que ela percebeu.
Um sorriso meio desbotado, ziguezagueando entre as nuances de cores próximas ao amarelo. Ficara realmente feliz com aquelas palavras e com aquela ligação. Depois de tantas vezes que ela tinha dito que ia me ligar e não ligara, mas dessa vez, ela ligou mesmo. De tanta gente que falou que ia ligar e não ligou, mas, pelo menos, dessa vez, ela ligou mesmo. De todos os mimos que eu já tinha mesmo ouvido e tantas coisas boas que pessoas tinham me desejado, dela era diferente. Ainda era diferente, depois de tanto tempo.
Eu apostaria comigo mesmo que se não atendesse todas as ligações de primeira, poucas seriam as que ligariam denovo. E eu sei que eu ganharia a aposta! E justo aquela que eu menos esperava que tornaria a ligar, tornou. Mas aquilo era pouco.
É engraçado como os sentimentos e relações mais profundas que você tem um dia, depois podem se transformar em um bom dia aqui, uma ligação no dia do aniversário ali, um cartão no natal acolá... Coisas simples, bonitas e que realmente importam, mas ainda assim pequenas. Insuficientemente pequenas.

Um comentário:

  1. Sim, acho essas relações pequenas que já foram grandes mais tristes do que as que acabaram de vez.

    ResponderExcluir