O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






quinta-feira, 25 de março de 2010

Uma Esmola

-por Otávio Silva

Entrei no ônibus já sem muita pressa, pois já tinha perdido meu compromisso. Àquela hora, os trânsitos de carros na rua e de pessoas no veículo já não eram intensos. O Sol já tinha se escondido atrás da noite e a cor do céu já tinha ido embora.
Passei pela catraca depois de pagar o pedágio pro cobrador e atravessei todo o ônibus para me sentar naquele último banco, o banco do meio da última fila. Podia ver, a cada ponto, o movimento das pessoas que entravam e saíam, as conversas, os sonos atrasados, tudo da mesma perspectiva. Via todos chegarem de frente pra mim e quando se sentavam, de costas. Aquele corredor já fora mais movimentado em outras viagens, confesso. Mas uma ação em especial, me tomou a atenção.
Diante de uma fila de pessoas trabalhadoras, com expressões fechadas e cansadas, um homem de cabelos enrolados, curtos e cacheados definidamente, cujo rosto acompanhava a espessura dos braços: magros e com os ossos à mostra, ficou parado no meio do corredor e vinha em direção ao fundo quase que em uma prece. Vestia uma camisa social listrada verticalmente, o fundo da camisa azul clarinho era interrompido por faixas finas brancas e amareladas. O cinto e os sapatos pretos se camuflavam com a calça também preta que ele ostentava. Não, ele não chamava atenção, talvez muitos nem devam tê-lo ouvido.
Já é comum nos dias de hoje, nos ônibus, pessoas entrarem pela porta de trás com consenso de motoristas e cobradores para pedir esmolas ou vender mercadorias com origens suspeitas e descerem no próximo ponto durante o dia todo e fazerem disso o seu ganha-pão. Ainda me surpreendo com o talento para vender dessas pessoas, muitas vezes compro algum chocolate ou guloseima só pelo discurso delas. Mas aquele discurso, não vou dizer que me conquistou, mas me tocou bastante.
O rapaz falava baixinho, diferentemente de outros publicitários e marqueteiros ambulantes:
-Pessoal, desculpa interromper a viagem de vocês... Eu comecei a me interessar pelo que ele dizia, exatamente porque eu não conseguia escutar, como aquela aula chata do professor tímido, que fala baixinho, e você no fundão não escuta nada e começa ficar curioso pelo assunto tratado, como curioso por um segredo.
-...Eu podia tá matando, pessoal, eu podia tá roubando, mas não, eu to aqui... Começava a identificar as palavras não exatamente pela compreensão exata de seus sons e fonemas, mas pela quase concordância, que elas faziam entre si, em frases tão manjadas e escutadas que estão quase que decoradas nas nossas mentes.
-...Eu saí de casa quando pequeno, tô aqui, batalhando, ralando! Acabei de sair do serviço, mas o dinheiro que ganho não dá pra quase nada, e eu to aqui, pra pedir um pouco pra vocês, não o padrão de vida que vocês têm... Eu não quero ter suas condições dignas de morar, não quero comer o mesmo que vocês come, nem comprar o que vocês pode comprar... E o olhar dele penetrava, a tristeza era explícita naquele olhar, naquele gesto, naquela figura descarnada, ninguém se mexia, não sei se ouviam, mas faziam como uma classe quieta que presta atenção na lição... E ele continuava, com sua voz baixinha, rouca e tímida:
-...Eu só queria ter o amor que vocês têm. A família que vocês pode ter, as amizades... Eu não quero dinheiro não, eu quero pedir só um beijo, um abraço, um aperto de mão qualquer que vocês possam dar...
O ônibus inteiro continuava imóvel, como a sala de aula quando o professor faz alguma pergunta que ninguém sabe a resposta. Nessas horas, nunca se sabe se ninguém mesmo sabe, ou se quem sabe não está interessado em responder, ou está com preguiça ou não tem certeza da resposta. Não sei o que acontecia com os outros passageiros, só sei que o rapaz nem olhou para os lados para saber da resposta das pessoas, simplesmente abaixou a cabeça, apertou o botão para descer na parada seguinte, respirou fundo, sacolejou junto ao movimento do ônibus e saiu assim que pôde.
Não sei se continuou em seu objetivo, como continuam os vendedores ambulantes, não posso dizer. Só posso dizer que no ônibus nada mudou. As pessoas continuaram seu trajeto, uns ouvindo mp3, outros dormindo, outros possivelmente refletindo acerca da bronca que o professor passou... Ou acerca de uma novela, de um reality show, do que vai ter no site de relacionamentos... Ou até mesmo no blog quando chegar em casa.

9 comentários:

  1. hhahaha, LENHA..VOCE ESCREVE MUITO BEM! :)

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  2. ta iraaaado! gostei deesse! =)

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  3. uma lição de vida né roberni ...

    muito bom , parabens !!!!

    ass:danilo galinha

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  4. fiquei emocionado com seu texto irmão, parabéns!

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  5. Não sei direito o porque, mas foi o que eu mais gostei até agora! Lindo... Esse promoveu a reflexão, sem duvidas. Parabéns, Pima!

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  6. linda a históriaaa!! é uma das q eu mais gostei! parabénss!

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  7. Porra pima, fico show veio!! parabens pra vcs, continuem inspirados e esbanjando talento!!

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  8. Muuuuuiito bom!!! Lindo demais. Imaginei cada mísero detalhe enquanto lia, muito bem feito e o conteúdo é muito bom! Tocou, sem dúvida.

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