O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






sábado, 13 de março de 2010

A Casa Azul e o Pássaro Verde

-por Otávio Silva

Quando eu era pequeno, morava em uma pequena casa no interior de São Paulo. Morávamos minha mãe, eu e minha avó. Vovó adorava sair à tarde pelas ruas e conversar com os vizinhos, especialmente com uma senhora que morava na casa da frente, cujo muro era o reflexo do céu em dias abertos. Essa senhora já era bem velhinha e seus filhos, já bastante crescidos, viviam suas vidas na capital. Essa senhora já bem velhinha tinha também um pássaro verde e cantador. Um pássaro que ficava em cima do muro azul do portão da casa, falando com todos da cidade, quando não ficava em uma gaiolinha apertada no quintal. Entre meus doze e quatorze anos de idade, essa senhora morreu, demoliram sua casa, e seus filhos vieram de preto para o funeral e deixaram o papagaio com a minha família. E eu adorava aquele bicho, passava os dias ouvindo as histórias que ele contava...
Contou-me certa vez que uma das filhas daquela senhora tinha o levado para a cidade grande pra tomar vacina em um veterinário. E levava-o então a todos os lugares junto a ela, inclusive para a loja de aluguel de vestidos e trajes para festas que sustentava no meio de uma rua movimentada, onde praticamente também prestava serviço como amiga ou psicóloga, das mulheres que passavam que acabavam contando um pouco muito de suas vidas.
Contou-me de uma moça chamada Gabriela. A juventude se mostrava no seu rosto e em seu corpo, mas não mais em seus olhos. Gabriela chegou um dia de tarde lá na loja junto a um homem bonito, arrumado. Ela vestia roupas leves e soltinhas, uma blusinha verde e uma calça preta, bem fresco ao calor insuportável da rua. O rapaz, que de tão calado, nem mostrava os aparelhos que ainda seguravam seu sorriso, apenas escutava a mulher e entregava a uma funcionária da casa as roupas que tinham alugado.
-Muito obrigada e desculpava a demora pela devolução, quanto te devo? – agradecia Gabriela à filha da senhora da casa azul, que reparava no semblante triste da jovem.
-O que aconteceu, Gabi?
E o pássaro piava alto para o gato do vizinho que passava perto da janela do meu quarto, enquanto continuava a história.
Contou-me que enquanto a mulher procurava os cartões de crédito para fazer o pagamento, a mulher do lado de dentro do balcão interrompeu-a e a fez contar o que a fazia estar daquele jeito. E ela contou que o casamento tinha acontecido no fim de semana que se passara e que tinha sido a maior correria de sua vida. E o rapaz, ao seu lado, seu agora esposado namoro, mordia os lábios. E ela contou que descobrira que estavam grávidos, sim, os dois grávidos, e de dois, sim, de gêmeos, uma loucura né?
Animei-me e perguntei ao pássaro o porquê de tanta tristeza. Disse-lhe que era uma dádiva esperar a luz de crianças frutos de um amor. Ele piou que foi exatamente o que a mulher do balcão havia dito. Que Deus sabe o que faz. E que Gabriela respondeu à mulher, quase numa prece:
-Mas tinham que ser dois de uma vez? E uma lágrima caiu de seu olho como uma criança que cai na tentativa dos primeiros passos, depois de engatinhar.
-E o pai dela só ataca... – falou pela primeira vez o maridão.
-Mas é só no começo, depois que nasce, são só mimos e alegria – consolou a mulher, experiente pelo nascimento dos netos da senhora da casa azul.
-Sim, mas o plano de voltar para Londres acabou. Minha vida mudou totalmente, de um fim de semana pro outro. – As lágrimas já não se continham...
E eu disse ao papagaio que aquilo era muito mesquinho da parte dela, que os filhos agora teriam de ser o maior motivo da vida deles. E o animal advertiu-me para ser mais sensível. Adiantou um pouco a história como alguém que aperta o botão FF do videocassete.
Quando a mulher saiu da loja, um funcionário que estava sem muito trabalho, viera à dona da loja perguntar sobre a história.
-Eles são de Londres, senhora? – com muita curiosidade.
-Já te disse pra não me chamar de senhora, Bruno!
-Sim, senh... Quero dizer, tudo bem, Madalena - revelou o funcionário o nome que a senhora da casa azul tinha escolhido para uma de suas filhas.
-Ele é de Londres, eu acho. Eles se conheceram lá, pelo que ela falou da outra vez que veio, para alugar as roupas. Eles tinham planejado se casar aqui e voltar pra lá... – e se enrolava pra contar a história a Bruno, seu funcionário.
O papagaio ajudou, contornando a história pra mim. De forma resumida, Gabriela havia namorado durante cinco anos. Um daqueles amores de escola que passam de ano na faculdade, mas não conseguem se encaixar no mercado de trabalho. Depois de um ano do término, ainda sem esquecer seu antigo namoro, decidiu fazer um intercâmbio. Foi pra Inglaterra, onde conheceu Ricardo, o jovem de aparelhos prateados que sombreava a moça na loja de roupas e aonde quer que fossem. Apaixonaram-se, brigaram e se apaixonaram de novo durante um ano inteiro, na cidade cinza. Voltaram para o Brasil já noivos e planejavam, após uma lua de mel viajada e curtida ao máximo, regressar para o Velho Mundo e viver lá, dar continuidade no trabalho que tinham começado lá, no romance que tinham começado lá. Gabriela procurava na Terra da Rainha, a independência de sua metrópole, desejava deixar de ser colônia e fugir dos embargos tributários que monopolizavam sua liberdade, sua felicidade, o seu amor. Agora, com dois filhos pra cuidar, tornava-se atrelada a seus pais e seu país novamente, chorava de novo a saudade de um amor antigo, a angústia de uma lembrança ruim. Gabriela voltava para a antiga gaiola apertada, que agora parecia menor ainda tendo um homem e dois filhos pra dividir o espaço.

7 comentários:

  1. Bem Simpa Otavio....parabens novamente...ficou muito legal a historia...
    vou dar uma sugestao aqui...porque voces nao abrem um topico sobre sugestoes de assuntos...no qual o pessoal fala um assunto e voces decidem oque fazer...uma carta...uma poesia...uma historia... entre outras
    vou começar hem..vamo la
    FUTEBOL!
    Um Beijo!

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  2. aaah, gostei da história e da sugestão! ia ser legal esse tópico!
    piima, voce tem talento, parabéns colega de faculdade

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  3. Legal a história, gosto do seu vocabulário "terra da rainha" por exemplo, pois se evita repetição... haha, sérin!
    Tens um bom futuro nisso lenha, escuta o que to falando!

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  4. Legal a história, gosto do seu vocabulário [2]
    muito booom pimaaaa =)

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  5. Muito bom! Vc realmente tem talento! Parabéns!

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  6. Boa menta!
    Muito bem estruturada, da gosto de ler!
    Valeu
    Abração!

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  7. Muito bom em Otávio, ta de parabens!
    só tenta escreve uns negocio mais curto, intimida o tamanho na hora de começar a ler! ahhahahahahahaha
    =)

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