O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






sexta-feira, 9 de julho de 2010

Only When I Sleep

- por Camilla Lopes

Os seus ombros se esbarraram logo na escada rolante que descia para a plataforma do metrô. Foi quando instantaneamente notaram um a presença do outro. Não a presença física, porque isso era quase impossível não notar, com toda aquela gente se empurrando, lutando por um lugar mais próximo da porta do vagão. Era um tipo de presença que destacava no meio da multidão a camisa xadrez azul e preta que ela estava vestindo, de um jeito que ele não conseguia deixar de repousar o olhar sobre ela. E ela, antes distraída com a música que saia de seus fones de ouvido, passava a ritmar os passos dele de acordo com a melodia. Os dois pararam lado a lado na plataforma, talvez propositalmente. E quando o primeiro trem chegou, ambos foram empurrados para dentro do vagão. Ele acabou de costas para a porta de entrada, e ela logo atrás, tão próxima que podia encostar a ponta de seu nariz na nuca dele. O perfume era tentador de mais, o que chamou sua atenção, pois raramente gostava tanto assim de uma fragrância. Ele, sem conseguir vê-la, se perguntava em que lugar ela poderia estar. Resolveu, então, virar discretamente, analisando as pessoas em volta como quem não quer nada, procurando o tal xadrez azul e preto. Completada a volta, ele se encontrou de frente a ela, e não teve como evitar a troca de olhares. Os olhos dele eram pretos, fundos, e ela queria saber o que se passava por trás deles. Ele se impressionou com os olhos verdes dela, passavam um ar de inocência indescritível. Ela não conseguiria se mexer, nem se quisesse. E eles estavam tão perto. Perto o suficiente para parecer que só existiam os dois naquele trem, não tão perto para que eles não desejassem ser um pouco mais empurrados pela multidão, se aproximarem mais. E se ela fosse embora na próxima estação? Ele nunca mais a veria? Isso não parecia uma opção. Ela tocou na mão dele, tentando parecer acidental. Precisava sentir a sua pele, era como se algo nele a estivesse atraindo. Começou a fantasiar cenas em sua cabeça de acordo, novamente, com o som que tocava em seus ouvidos. Será que ele também estava pensando algo do tipo? Ou ela era só uma menina boba que pensava em coisas que não aconteciam na vida real? Mas o coração dele bateu três vezes mais forte. Ela estava perto o bastante para perceber isso. Bom, sua respiração ofegante ele não conseguia mais esconder. Nem ela. Ainda com os olhos fixos um no outro, eles começaram a aproximar seus rostos, quase involuntariamente. E como num alívio, seus lábios se tocaram.

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