O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






domingo, 23 de dezembro de 2012

A Ressaca Apocalíptica

-por Otávio Silva

Era uma casa muito engraçada! Tinha teto e tinha parede. Todo mundo queria entrar nela, sim, porque alegria era o que havia ali. O número 200 daquela rua estava localizada num desses últimos redutos de província que existem na região do centro expandido da cidade de São Paulo, sabe? Aquele bairro que só tem casas, e que a vizinhança toda se conhece: sabem a que horas todos saem e chegam, sabem a história de cada família que mora ou já morou ali, conhecem o seu Nakata da feira que trabalha lá há anos.
                Pois, então... Há uma meia dúzia de dois ou três verões atrás, o seu Luiz teve que se mudar dali e deixou a casa à venda. Justamente o sobrado de número 200. Era uma casa muito bem conservada. A pintura branca, sempre impecável, das paredes contrastava com a de seu vizinho, a casa de número 198. Isso porque os dois sobrados faziam parte da mesma construção. O muro entre as duas residências podia muito bem um espelho que iria refletir a mesma disposição dos cômodos, janelas e portas.
                O seu Luiz morava ali com a típica família tradicional paulistana: ele, a mulher, um filho e uma filha, cujos retratos estavam todos apoiados no buffet que também guardava a televisão, mostrando fotos deles todos sorrindo para a câmera de desconhecidos, com um fundo azul ou branco montado. “Bem-vindos à casa da família Tavares” – dizia o tapete na porta de entrada. A rua inteira os adorava, mas por essas idas e vindas que só a vida nos dá, eles tiveram que se mudar.
                E a partir dessa mudança surgiu a oportunidade ideal para cinco estudantes do interior do Estado formarem ali a sua república! Perto do centro, perto da faculdade, sem trânsito, preço justo - era a chance deles!
                 E não raras eram as festas daqueles garotos! E numa dessas festas que o narrador que aqui vos escreve conheceu aquela casa, na festa da Ressaca Apocalíptica, como estava sendo chamada: xaxins enfeitavam a entrada; em seguida, poucos móveis se encontravam pela sala e quadros expressionistas estavam pendurados na cozinha, enquanto a música e alegria se misturavam ao ar. Os moradores recebiam todos muito bem, até mesmo os que, a princípio, não tinham sido convidados. A casa dançava e pulsava junto ao calor da noite e a energia de seus convivas!
Bem lá no fundo, na área de serviço, estava um cofre! Um cofre preto, com senha, cadeado e tudo o mais. Um dos moradores me pediu licença para que eu não visse a senha ao passo que ele o abria. Dentro do cofre, me disseram que estavam as melhores e mais divertidas histórias da humanidade! E que dali eles tiravam os contos que animavam almoços de família, reuniões do trabalho e encontros na faculdade. O cofre era o segredo da casa, ele simplesmente estava preso ao chão daquela área de serviço de tal forma que era impossível tirá-lo dali, viera já com o seu Luiz e, pelo jeito, ali permaneceria até depois da república que agora estava instalada.
Do cofre, saiu, então, a história dos sorrisos e das mulheres. Dizia o conto que o sorriso e a mulher tem uma relação extremamente íntima, que o sorriso não sobrevive à mulher, e a mulher não vive sem um sorriso. Sem entender muito bem isso logo de cara, pedi para que o cofre tentasse me explicar o que ele queria dizer com aquilo.
E ele começou a me falar sobre a forma que o sorriso, muitas vezes, é usado como uma maquiagem e que, visto de longe, nem sempre ele mostra e quer mostrar a mesma coisa que quando visto de perto. Covinhas, marcas de estresse, uma abertura maior, um lábio relaxado... Tudo isso são amostras de intensidades diferentes de sentimentos, mas não há uma correspondência exata de cada detalhe para cada tipo de emoção, há um degradê imenso entre o milímetro que separa a raiva da alegria.
E que um homem pretendente a conquistar o coração de uma mulher desconhecida nunca vai ter a absoluta certeza se o riso dela é um sinal verde para uma aproximação, um sinal vermelho da ridícula pretensão ou apenas um amarelo de vergonha. Aquela menina de olhos meigos que não sorri por timidez pode estar te dando mais bola do que aquela outra que gargalha a toda piada ruim que você faz.
E por outro lado também, batons cobrem as carnes dos lábios, pó branco as bochechas ao redor, blsuhs dão cores ao rosto, e tintas ao cabelo; lápis e sombras desenham os olhos; decotes são aumentados e calças são apertadas para realçar o corpo... Os truques são grandes, tudo em busca do sorriso das pessoas. Já ficou provado que mulheres bonitas conseguem arrancar qualquer coisa de um homem, e o sorriso é sempre a primeira delas, a mais fácil, e a mais involuntária talvez. Disse-me o cofre que qualquer coisa que as mulheres peçam chorando, qualquer homem faz sorrindo tranquilamente.
Por fim, o cofre me mostrou que de todas as partes de todas as mulheres existentes, sejam elas loiras, morenas, ou ruivas; altas ou baixas; de cabelos lisos ou ondulados; magras ou gordas; tenha ela peitos grandes, ou não, bundas perfeitas, ou não; olhos claros ou escuros...  Na beleza da mulher, a curva mais bela de todas é a que se forma pra dar contornos ao sorriso.

segunda-feira, 18 de junho de 2012

Existência

-por Juliana Cardoso


Certas pessoas simplesmente têm muitos sentimentos dentro de si. Mais do que as palavras e gestos conseguem expressar, mais do que o choro pode extravasar, mais do que um abraço pode consolar. Às vezes, o sentimento é tão forte e a urgência de colocá-lo para fora é tão latente que cada célula do corpo vibra em um desespero louco por liberdade... E é aí que o corpo se movimenta. Uma arte na qual o que mais importa é a veracidade do movimento, a busca eterna pela representação fiel do sentimento na sua essência. O coração grita ritmado com uma musica que não se sabe se vem do exterior desse mundo ou se o coração mesmo criou; os músculos enrijecem e se contorcem numa dor prazerosa e viciante; a alma flutua expectadora e personagem dessa situação e a mente entra em transe. Sem pensamentos, bons ou ruins. Por alguns minutos os problemas deixam de existir e a própria existência dá lugar a essa exuberante liberação de sentimentos. Por alguns minutos deixamos de ser humanos para virarmos expressão. Por alguns minutos o corpo e as limitações deste não existem e viramos música. Livres, finalmente.

sábado, 16 de junho de 2012

Parabéns! Parabéns! Hoje é o seu dia, que dia mais feliz!


-Otávio Silva

Fila em banco de bar é foda. Hoje fui à Lotérica pagar um imposto. Já eram mais de 16h e o expediente bancário já havia terminado, por isso, a Lotérica. Uma fila quilométrica já aguardada me desanimava ainda mais assim que cheguei.
                E logo que cheguei, dirigi-me ao caixa, ‘furando’ a fila apenas para tirar uma dúvida se o referido imposto que eu estava em mãos poderia ser pago ali, nas Lotéricas.
                -Pode, sim, moço. – ela me respondeu até com um quase sorriso no rosto, desgastado pelo tédio, pela monotonia e pela repetição daquele trabalho quase que exclusivamente braçal de ler os códigos de barras de todas as contas que ali chegavam para serem pagas, contar o dinheiro dado, calcular o troco, carimbar a conta e devolvê-los ao cliente.
                Eu quase tinha torcido pra ela dizer que não aceitava o pagamento do tipo de guia que eu estava levando. Assim, eu teria um conforto psicológico por não encarar a fila, mesmo não pagando o imposto, ao invés de um peso na consciência por isto. Mas ela disse que aceitava, então, lá fui eu... Pro longínquo final da fila.
                Chegando lá, tentava ser otimista de alguma forma: tentava pensar que a fila não estava assim tão grande... Mas quando eu olhava de novo, percebia que ela tava ainda maior do que eu tinha pensado antes! Tentava pensar que iria passar rápido, mas a velocidade da única operadora de caixa ali era tão assustadoramente pequena... Tentava pensar que eu não estaria fazendo nada demais fora dali, mas no mínimo, a minha cama seria mais atraente que ficar de pé naquela fila de caixa lotérica...
                ...Em dez minutos, apenas três pessoas haviam sido atendidas. Tinham dezenove na minha frente, logo, dez está para três, assim como x para dezenove... É, melhor nem fazer a conta...
                Durante o tempo em que fiquei na fila, todo tipo de figura passeava no supermercado em que a lotérica estava localizada. Grupos de amigos levavam os ingredientes para possíveis churrascos no fim de semana que se aproximava, donas de casa realizavam a compra do mês, bêbados passavam gritando atrocidades contra quem quer que fosse; mulheres bonitas chamavam a atenção da rapaziada, outras nem tanto... E a todas essas pessoas, a moça do cartão de crédito do supermercado atazanava para que fizessem o maldito cartão...
                E ninguém fazia; como era de se esperar.
                ...
                Uma fila e uma hora inteiras depois, chegava a minha vez. Dor na sola do pé, joelhos e tornozelos enrijecidos, o suor fazendo a camiseta grudar no corpo, um machucado no braço fazendo o sangue coagular, a vista já cansada do dia anterior quase cedendo de sono às luzes fluorescentes do supermercado... Nada aliviaria tanto quanto a minha tão esperada vez no caixa.
                Dei o mesmo quase sorriso que a atendente tinha me dado há uma hora, e ela me respondeu já sem nem um décimo de sorriso. Passei a guia impressa da internet e o dinheiro de uma vez só por debaixo do vidro, sem falar nada. Ela olhou o papel, virou, revirou e chamou alguém lá dentro, perguntando:
                -A gente pode receber isso aqui?
                Porém, a voz lá do fundo soava inaudível do lado de fora. E a apreensão da resposta só se transformou em desespero quando a atendente, a mesma de uma hora atrás, me disse:
                -Olha moço, a gente não pode receber esse tipo de imposto aqui, não.
                -Legal! – eu disse pra ela, aumentando o meu sorriso gradualmente. Um sorriso quase de um psicopata prestes a apertar um botão por debaixo da camisa que é capaz de explodir o estabelecimento inteiro – Depois de uma hora que você me falou que receberia, agora você quer me falar que não recebe? – eu dizia ainda respeitando os tempos verbais e concordâncias.
                -Eu, moço? Eu não disse nada pra você. – disse ela parecendo autêntica.
                Dois segundos depois, ela parecia ter se lembrado de mim e os seus olhos já não mais encaravam os meus e o seu semblante fechou-se no mesmo instante.
                -Que dahora né? – eu dizia pra ela, levantando o polegar, em sinal de positivo.
                Mas ela já não conseguia olhar pra mim e o máximo que pôde responder foi:
                -Por favor, o próximo! Moço, o senhor tá atrasando toda a fila, eu não posso fazer nada pelo senhor!
                -Não pode fazer nada?! Não pode fazer nada é o ca%$&(, vai pra #$*&#$#*$&, vai se #$#*$&#$*#, sua fi($*#($#(*#ta... E parabéns, viu! Tá fazendo o seu trabalho direitinho!
                -Meu aniversário é só em dezembro! – respondeu a ladra de tempo, em um tom de ironia típico de criança do primário.
                -Então eu já vou pegar a fila, quem sabe em dezembro eu tô aqui denovo...
                

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Todo carnaval tem o seu fim

-por Otávio Silva


Toda rosa é rosa, porque assim ela é chamada, já dizia Shakespeare. Mas existem rosas amarelas, azuis, brancas, coloridas, vermelhas... Será que alguém já se perguntou o porquê do nome dela ser justamente rosa?!
O poder que as palavras tem é imenso e ninguém tem a verdadeira ideia disso. O alcance das palavras é grande, até mesmo em um folheto distribuído na rua, que dirá em veículos de mídia de grande circulação, como a TV, o rádio, o jornal, a revista?
A imprensa te passa uma imagem, que justamente por estar sendo veiculada, te passa confiança e credibilidade. Criam-se cenários, ventem-se da melhor maneira possível, gestos firmes são feitos: todas as maneiras de chamar a sua atenção para lhe passar uma palavra, pra te vender uma palavra. A palavra de Deus? A palavra do diabo?
É preciso ter cuidado, como todo comércio que visa o lucro, as empresas de mídia representam interesses, algumas vezes escusos, algumas vezes de uma minoria, mas não deixam de disseminar a palavra.
Toda folha elege um alguém que mora logo ao lado, e pinta o estandarte de azul, e põe suas estrelas no azul, pra quê mudar? Com um discurso vazio, mas enfático, baseado na propaganda, para justificar o rombo econômico pós 1ª Guerra Mundial, Hitler se consolidou no governo da Alemanha nazista e convenceu uma população inteira de que não era errado perseguir os judeus e matá-los em campos de concentração. (I can ride my bike with no handlebars... And i can end the planet in a holocaust)
Engraçado como o governo alemão conseguiu pintar uma águia negra e o símbolo da suástica no estandarte de um país, cuja maioria de seu povo tão notoriamente culto nem se questionou. Povo este educado, desde pequeno, a seguir as ordens superiores e a manter a disciplina. Lei é lei, ordem é ordem. A disciplina não é uma qualidade, mas um requisisto.
E o progresso? É evidente que não assim é o povo brasileiro. Lei, às vezes, não pega, não é mesmo?! Farol vermelho é piada e tudo se dá um jeitinho. Como, então, explicar a confiança cega de parcela da população em uma imprensa tão corrompida?
Todo dia o dia não quer raiar o sol do dia, toda trilha é andada com a fé de quem crê no ditado, de que o dia insiste em nascer. Consome o que lhe oferecem, compra o que lhe vendem, ouve o que lhe falam, você trabalha tanto que nem pensa mais direito. (Pense, fale, compre, beba/ leia, vote, não se esqueça/ use, seja, ouça, diga/ tenha, morre, gaste e viva)
O que é a bandeira do Brasil mesmo? O verde é da natureza, que a gente já devastou, o amarelo é o ouro, que já nos foi levado, e as estrelas no azul do nosso céu, deve ser o brilho que o brasileiro traz consigo. Ah, que diferença faz?
Deixa eu brincar de ser feliz, deixa eu pintar o meu nariz. Volta e meia surge o circo pra completar o pão já amassado que o nosso povo tem que comer. Futebol, carnaval, olimpíadas... O brasileiro é bom em festas. Pena quando resolve fazer circo com coisa séria, coloquem-nos o nariz de palhaço, logo! Maniqueísmo, barulho, fumaça, é isso o que mais vende na imprensa. Joguem pedras nos bandidos, salvem os heróis, não procurem entender a razão dos fatos e nem discutir o que está sendo proposto.
Todo samba tem um refrão pra levantar o bloco. Vivemos a novela da vida real! Caso Isabella Nardoni, invasões da polícia aos morros cariocas transmitidos ao vivo, invasão da reitoria da USP, é tudo parte do roteiro do filme Tropa de Elite 2: um escândalo segue o outro, o qual é explorado ao máximo pela mídia, que escolhe o lado bom, o lado mau (de acordo com seu rabo-preso e com o que pode dar maior margem de lucro), até que as autoridades façam o que a população, influenciada, espera que seja feito, para com isso angariar popularidade. A verdade, os motivos, cortar a raiz dos problemas, dialogar sobre o que se sugere... Ninguém quer; ninguém faz; ninguém compra!
Todo carnaval tem o seu fim. E, assim, estabelecem-se os mártires e os crucificados, até que o assunto se esgote, os telespectadores se cansem, se esqueçam, e aconteça o próximo.

quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Lei da Natureza

-por Otávio Silva



“There is a pleasure in the pathless Woods;

There is a rapture on the lonely shore;

There is society, where none one intrudes,

By the deep sea, and music in its roar:

I love not man the less, but Nature more...”

(Lord Byron)



Encontro-me embaixo de uma amoreira. É quase época delas, mas o chão da praça já se encontra inundado pela tinta rocha de seus frutos pisados ou amassados pela queda dos galhos.

Algumas amoras tornam-se inacessíveis, de forma que além de já estarem em galhos altos, ficam ainda mais longe do solo. Isto, pois a praça é desnivelada, tornando os galhos do lado de baixo do tronco muito elevados, quase impossíveis de serem alcançados. Da mesma forma, os galhos da porção que ficam à cima do centro do tronco parecem mais próximos e de mais fácil acesso.

Correndo o enorme risco de falar besteira, afirmo que de folhas curtas, porém muito espalhadas, a amoreira é uma planta que possui galhos muito finos, o que talvez facilite a passagem de nutrientes e água do solo ao cume. Possivelmente, é essa a razão de serem tão doces as amoras pretas. Seus gomos ficam cheios, e estouram a um toque ligeiramente mais forte, liberando uma pintura roxa escura. Mancha não só o chão abaixo da árvore. Pinta também, obviamente, as mãos dos coletores; as línguas dos consumidores assíduos, os cantos das bocas e a camisa dos mais desastrados.

A amoreira só dá frutos uns dois, no máximo três, meses ao ano. Mas isso funciona mais ou menos que nem o aniversário de um ente querido, mas distante: você se lembra da data sempre, menos no próprio dia. Consegui lembrar um dia desses, quando voltamos ao começo do texto.

Debaixo da copa da árvore, em cima do chão meio avermelhado, que misturava o marrom da terra e o roxo da fruta, eu caçava as amoras mais escuras, que são as mais maduras, e, consequentemente, mais doces. Mas eu não faço lá muita distinção, não! As vermelhas, num ponto intermediário de amadurecimento, estão, por assim dizer, num intermédio entre o gosto suave das negras e o azedo das que ainda estão verdes e duras.

Mal posso comer minhas amoras em paz, chega uma senhora baixinha e gorducha, que já me interpela:

- Ai, eu não consigo passar aqui sem pegar uma ou duas, todos os dias! “Bom pra você”, eu pensei, mas não respondi. Ensaiei um sorriso vermelho pra ela, como se estivesse entre um simpático e um falso, forçado.

A senhora reclamava da altura das frutas e ao mesmo tempo, salientando como eu era alto! Uma bela indireta para eu pegar algumas para ela. De repente, eu passei a não enxergar mais as amoras maduras e quase que procurar as mais azedas. “É só um tempo, essa velhinha não vai ter a mesma paciência que eu, ela vai embora antes e eu vou poder voltar a pegar as melhores pra mim”.

Mas ela era obstinada. Após perceber um cacho visivelmente delicioso naqueles galhos que estavam mais altos, a senhorinha sugeriu que eu pegasse. Porém, esses galhos estavam realmente muito além do meu alcance, de verdade mesmo. Eu até tentei pegá-los, me esticando ao máximo, mas não consegui.

Frustrada, ela foi embora. Já sabendo daquelas avistadas pela senhora, procurei alguma forma de tentar obtê-las e passei a maquinar maneiras, enquanto pegava outras. Neste momento, chegou outra mulher. Dessa vez, mais nova que a anterior, mas decididamente mais velha do que eu, entretanto conservava a beleza nos seus traços.

Percebendo algum tipo de observação minha, ela fez o que todas as mulheres fazem quando notam isso. Abaixam o rosto, desviam o olhar, prestam mais atenção em outras coisas do que elas verdadeiramente merecem, só para não prestar em seu observador. Bom, melhor pra mim, não tenho que fingir estar preocupado com o sucesso da coleta dela. Não dei nem um riso verde.

Passados poucos minutos, agora sim! Fiquei absolutamente sozinho com ela. A outra foi embora. Provavelmente, retornava à rotina, que havia pausado ao passar por ali, no meio da tarde. Provavelmente, já na hora de chegar a casa, fazer a janta para o marido, buscar o filho na escola, sabe lá. Só sei que agora éramos, finalmente, somente nós dois. Eu e a amoreira.

Escalei o tronco, puxei os galhos para baixo, agarrava-me às folhas, sequei aquela árvore! Peguei praticamente todas as frutas possíveis e imagináveis. E daí que se eu deixasse as que ainda não estivessem maduras, elas amadureceriam em um tempo, e eu poderia voltar para pegá-las já maduras? Quem disse que eu conseguiria voltar lá outro dia? Se conseguisse, e se alguém fosse lá antes que eu e pegasse as amoras maduras que eu perdoei? Eu tenho que pensar nisso mesmo? As últimas pessoas deixaram de pegar todas aquelas que eu estava pegando agora, e só por isso eu consegui pegar. E daí?!

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Jurisdição

-por Otávio Silva

Do latim: juris, "direito" e dicere, "dizer". Dizer o direito. Quem é que vai querer dizer o que tenho eu direito ou não? Teve um tempo em que eu achava serem os meus pais. E eles sempre faziam o que achavam ser melhor para o meu bem. Até que eu comecei a questionar como eles saberiam o que era para o meu bem.
Existe uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que aguarda inclusão na pauta do Plenário para ser votada, que sugere o direito à felicidade como sendo fundamental. Querem agora, que além de tudo, você seja feliz.
É então, o legislador (vereadores, deputados e senadores) quem diz o meu direito? Salve o meu direito de ser feliz, salvem os palhaços do Congresso Nacional!
Ok, ok... Talvez estejam certos aqueles que pregam a desobediência civil. Afinal de contas, que Contrato Social é esse que eu não me lembro de ter assinado?
Dizia o filósofo norte-americano Thoreau que um homem que paga seus impostos para financiar um governo corrupto, é corrupto também. Em sua época, para não financiar a escravidão e a guerra, durante seis anos não pagou um centavo ao governo.
Mas será que isso é justo? A partir do momento que o Estado lhe permite viver em seu território, lhe fornece serviços públicos de qualidade - saneamento básico, saúde, educação, alimentação, transporte - é justo que não se pague nada em troca? Nascemos já com o direito natural a todas essas coisas e não faz nada mais o Estado que cumprir com a sua obrigação?
Nem sempre igualdade é a fonte da justiça. Aristóteles distinguia alguns tipos de justiça. Dentre eles, os tipos que procuravam tratar da relação de membros de um grupo e o próprio grupo. Estabelece-se, então, uma proporção nesta relação. Ao mesmo tempo em que os membros tem o direito de receber do grupo aquilo que necessitam e merecem, o grupo tem o direito de receber dos membros aquilo que cada um é capaz de contribuir.
Não sei se Thoreau considerou tudo isso ao não pagar os seus impostos. Não sei se ele realmente tinha capacidade para pagar os seus impostos. Não sou eu quem vai dizer os direitos dele. Talvez por não querer ninguém dizendo os seus direitos, que ele resolveu, simplesmente, não fazer parte de nenhuma sociedade e viver sozinho nos bosques, por um bom tempo. "Ninguém pra ligar e dizer onde estou, ninguém pra ir comigo onde eu vou. Por outro lado, ninguém pra abaixar o volume, ninguém pra reclamar dos pratos sujos, ninguém pra fingir que eu não amo". Quem sabe não sejamos bons selvagens...
Bom, o certo é que o quadro brasileiro não é de uma boa prestação de serviços por parte do Estado, além de um financiamento de práticas escusas de seus representantes com o dinheiro público, com o nosso dinheiro. E se nós parássemos de pagar os impostos? Não digo de sonegar uma parte, na surdina, como muitos já fazem. Digo de todos nós ignorarmos o Leão, até ele virar um gatinho indefeso.
Se isto acontecer e formos parar às barras de um tribunal, evoquemos o nosso direito à felicidade, oras! De quem é a felicidade ao lhe tirarem até 27,5% do seu salário? E como o juiz vai analisar o que é felicidade, afinal? E agora é o juiz quem vai dizer o meu direito? É acho que eu estou crescendo... Pai! Mãe! Acho que tudo isso não me faz feliz!
Ou faz, quem são eles para dizer. Deem de ombros, mesmo. Melhor, não dê não, pátria mãe gentil! Cadê o meu direito à tristeza? Ao drama, à solidão, ao abandono? Estão me roubando direitos fundamentais, que aburdo! Afinal de contas, "pra fazer samba com beleza, é preciso um bocado de tristeza".

Façamos, então, o que nós sabemos de melhor: sambemos, Brasil, sambemos em uma nota só, enquanto atiram em nossos pés - ratátátá!

quarta-feira, 7 de setembro de 2011

Soa

-por André Oviedo




Amor
Quando sai da tua boca,

Me deixa seguro.

Seguro

-por Dri de Santi



Amor,


que há depois do teu medo?



Desejo,

Desejo,

Desejo.

BESTA-FERA

-por Dri de Santi


Dentro de mim mora uma Besta-Fera,


Príncipe terno das minhas noites eternas.

Se choro, ele urra,

Se adormeço, ele vigia,

Se sorrio, ele dança...

E girando, girando,

Entre nuvens e estrelas no espaço,

Sossega minha triste alma.



Não hei de quebrar-lhe a flor do encanto:

Quero-a magicamente enclausurada,

A fim de deixá-lo também aqui, aprisionado,

Vivendo infinitamente

A me ver sorrir, chorar,

Adormecer, enfim,

No embalo suave de seu acalanto.

domingo, 31 de julho de 2011

Baile de Máscaras

-por Carla Formigoni



Lá estava ela, com seus cabelos presos, deixando sua nuca à mostra levemente encoberta pelas pontas que se arqueavam na tentativa de formarem encantadores cachos dourados. Usava um vestido vermelho que acentuavam o desenho de seu corpo da maneira mais delicada combinando com a cor de seus lábios e de sua máscara, que apesar de encantadora, não parecia se encaixar direito com seu belo rosto. Assim como poucas máscaras do salão, esta parecia ter vindo diretamente de Veneza, contornando penetrantes e incrivelmente brilhantes olhos castanhos.
Observava cada olhar ao seu redor e, apesar de não enxergar as sobrancelhas, escondidas sob as máscaras, tentava decifrá-los. Enquanto alguns não necessitavam de muita observação, outros eram muito mais enigmáticos. Curiosa, caminhou até o espelho de moldura dourada, semelhante aos de época, e percebeu quão sincero era seu olhar. Tão sincero que praticamente a denunciava instantaneamente.

No primeiro momento, sentiu-se feliz. - “Dizem que os olhos são as janelas da alma, certo?”- pensou. Seu rosto foi levemente decorado por um leve sorriso, e então ela retornava ao centro do salão, onde muitos dançavam. Envolta por inúmeras beldades e grandes nomes, admirava poucos, conversava com alguns e cumprimentava todos (muitos a contragosto por assim dizer).

É claro que aqueles que não a despertavam carisma reconheciam tal fato no mesmo instante. E foi quando ela percebeu que o que a deixava feliz, agora a intrigava o suficiente para perder algumas músicas da festa e ser levada pelos pensamentos ali mesmo. Dera-se conta de que as mais conhecidas e bem sucedidas pessoas daquele local - como em todos os outros locais- eram as mesmas cujos olhos eram incompreensíveis. Entendera o porquê no mesmo instante. Como camaleões, camuflavam seus olhares, escondendo deste modo suas almas e a sinceridade destes.

Compreendera então suas dificuldades. Na vida, não eram admirados os mais sinceros olhares, mas sim as máscaras que mais perfeitamente se encaixavam ao rosto e à ocasião, naqueles que dançavam conforme a música.