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domingo, 23 de dezembro de 2012

A Ressaca Apocalíptica

-por Otávio Silva

Era uma casa muito engraçada! Tinha teto e tinha parede. Todo mundo queria entrar nela, sim, porque alegria era o que havia ali. O número 200 daquela rua estava localizada num desses últimos redutos de província que existem na região do centro expandido da cidade de São Paulo, sabe? Aquele bairro que só tem casas, e que a vizinhança toda se conhece: sabem a que horas todos saem e chegam, sabem a história de cada família que mora ou já morou ali, conhecem o seu Nakata da feira que trabalha lá há anos.
                Pois, então... Há uma meia dúzia de dois ou três verões atrás, o seu Luiz teve que se mudar dali e deixou a casa à venda. Justamente o sobrado de número 200. Era uma casa muito bem conservada. A pintura branca, sempre impecável, das paredes contrastava com a de seu vizinho, a casa de número 198. Isso porque os dois sobrados faziam parte da mesma construção. O muro entre as duas residências podia muito bem um espelho que iria refletir a mesma disposição dos cômodos, janelas e portas.
                O seu Luiz morava ali com a típica família tradicional paulistana: ele, a mulher, um filho e uma filha, cujos retratos estavam todos apoiados no buffet que também guardava a televisão, mostrando fotos deles todos sorrindo para a câmera de desconhecidos, com um fundo azul ou branco montado. “Bem-vindos à casa da família Tavares” – dizia o tapete na porta de entrada. A rua inteira os adorava, mas por essas idas e vindas que só a vida nos dá, eles tiveram que se mudar.
                E a partir dessa mudança surgiu a oportunidade ideal para cinco estudantes do interior do Estado formarem ali a sua república! Perto do centro, perto da faculdade, sem trânsito, preço justo - era a chance deles!
                 E não raras eram as festas daqueles garotos! E numa dessas festas que o narrador que aqui vos escreve conheceu aquela casa, na festa da Ressaca Apocalíptica, como estava sendo chamada: xaxins enfeitavam a entrada; em seguida, poucos móveis se encontravam pela sala e quadros expressionistas estavam pendurados na cozinha, enquanto a música e alegria se misturavam ao ar. Os moradores recebiam todos muito bem, até mesmo os que, a princípio, não tinham sido convidados. A casa dançava e pulsava junto ao calor da noite e a energia de seus convivas!
Bem lá no fundo, na área de serviço, estava um cofre! Um cofre preto, com senha, cadeado e tudo o mais. Um dos moradores me pediu licença para que eu não visse a senha ao passo que ele o abria. Dentro do cofre, me disseram que estavam as melhores e mais divertidas histórias da humanidade! E que dali eles tiravam os contos que animavam almoços de família, reuniões do trabalho e encontros na faculdade. O cofre era o segredo da casa, ele simplesmente estava preso ao chão daquela área de serviço de tal forma que era impossível tirá-lo dali, viera já com o seu Luiz e, pelo jeito, ali permaneceria até depois da república que agora estava instalada.
Do cofre, saiu, então, a história dos sorrisos e das mulheres. Dizia o conto que o sorriso e a mulher tem uma relação extremamente íntima, que o sorriso não sobrevive à mulher, e a mulher não vive sem um sorriso. Sem entender muito bem isso logo de cara, pedi para que o cofre tentasse me explicar o que ele queria dizer com aquilo.
E ele começou a me falar sobre a forma que o sorriso, muitas vezes, é usado como uma maquiagem e que, visto de longe, nem sempre ele mostra e quer mostrar a mesma coisa que quando visto de perto. Covinhas, marcas de estresse, uma abertura maior, um lábio relaxado... Tudo isso são amostras de intensidades diferentes de sentimentos, mas não há uma correspondência exata de cada detalhe para cada tipo de emoção, há um degradê imenso entre o milímetro que separa a raiva da alegria.
E que um homem pretendente a conquistar o coração de uma mulher desconhecida nunca vai ter a absoluta certeza se o riso dela é um sinal verde para uma aproximação, um sinal vermelho da ridícula pretensão ou apenas um amarelo de vergonha. Aquela menina de olhos meigos que não sorri por timidez pode estar te dando mais bola do que aquela outra que gargalha a toda piada ruim que você faz.
E por outro lado também, batons cobrem as carnes dos lábios, pó branco as bochechas ao redor, blsuhs dão cores ao rosto, e tintas ao cabelo; lápis e sombras desenham os olhos; decotes são aumentados e calças são apertadas para realçar o corpo... Os truques são grandes, tudo em busca do sorriso das pessoas. Já ficou provado que mulheres bonitas conseguem arrancar qualquer coisa de um homem, e o sorriso é sempre a primeira delas, a mais fácil, e a mais involuntária talvez. Disse-me o cofre que qualquer coisa que as mulheres peçam chorando, qualquer homem faz sorrindo tranquilamente.
Por fim, o cofre me mostrou que de todas as partes de todas as mulheres existentes, sejam elas loiras, morenas, ou ruivas; altas ou baixas; de cabelos lisos ou ondulados; magras ou gordas; tenha ela peitos grandes, ou não, bundas perfeitas, ou não; olhos claros ou escuros...  Na beleza da mulher, a curva mais bela de todas é a que se forma pra dar contornos ao sorriso.

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