O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






quarta-feira, 14 de abril de 2010

Bradowski

- por Daniel Bagagli

Olhar ao redor e perceber que ninguém é igual a você. Ninguém. Nem ao menos aquele ser que faz o mesmo trajeto que você quase todos os dias do ano. Na verdade, quem sabe, ele é o seu oposto – exatamente o contrário do que você é. Que coisa estranha, não?

Ao mesmo tempo é triste, não só estranho. Quero dizer, acaba sendo ruim não achar alguém igual a você. Não há aquele compartilhamento de idéias, de pensamentos, de sentimentos em alta intensidade. Existem apenas meras casualidades.

Não é a toa que escolhemos pessoas especiais em nossas vidas pelo tanto que compartilhamos juntos – mesma maneira de viver a vida, quem sabe; mesma maneira de encarar o mundo; mesma maneira de amar. Em contraponto, não escolhemos o ser que percorre o mesmo trajeto quase todos os dias do ano – não compartilhamos nada além disso.

Agora, sem pensar no micro. Amplie esse pensamento: das ruas de casa ao trabalho para todo um povo – ou melhor, todo um mundo. Algo tem que ser dito pensando assim – a tendência é ficar cada vez mais triste. Não há alguém no mundo igual a você. Existirá alguém possivelmente muito parecido, mas talvez ele more no Nepal, e sua chance de conhecê-lo é grandiosamente pequena.

Puxemos daí uma linha de raciocínio: certo, entendemos que não há ninguém igual a nós. E daí? Pois então, como podemos esperar que algo dê certo? Quero dizer, como saber que o mundo irá mudar? Afinal, se Stálin fosse igual a mim, o mundo não seria assim com certeza hoje. Se Bush fosse igual a mim, o mundo não estaria igual à hoje. Se o piloto do Enola Gaye fosse igual a mim, o mundo não seria igual à hoje. Se Henry Ford fosse igual a mim, o mundo não seria igual à hoje. Não entro em nenhum detalhe quanto ao porque deles serem diferentes de mim, e o porquê de ninguém ser igual – a isso deixo a Biologia e a Sociologia (que, por sinal, não existiriam se seus precursores fossem iguais a mim).

Acabo de perceber que mudei o final do texto – mudei completamente de opinião enquanto o escrevia. Ainda acho triste o fato de não ter alguém igual a mim espalhado pelo mundo: já o visitei para tentar encontrar. Mas acho tudo isso agora muito engraçado, pois nós nunca fomos feitos para conviver com alguém igual. A graça está em conviver com as diferenças, sabendo que elas existem. Tentar contorná-las parece ser mais impossível do que a missão numero um em questão. Afinal, é de todas essas diferenças que surge tudo o que vemos hoje no mundo, da pobreza aos cursos de faculdade, da destruição à invenção tecnológica.

Obviamente, ainda teremos o nosso ideal ferido por alguém que não concorda conosco; a nossa raiva aumentada por alguma atitude que condenamos; o nosso coração quebrado por alguém que não ama igual a nós. Mas, e daí? Esqueçamos um pouco nosso próprio eu uma vez na vida.

Fico feliz enquanto concluo esse texto: se o mundo fosse igual a mim, seria um tédio. E, se você fosse igual a mim, não estaria lendo esse texto em absoluto: odeio esses textos.

2 comentários:

  1. se eu fosse igual a você, eu estaria escrevendo um texto igual a esse, concorda?

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  2. Se eu fosse igual você, jamais teríamos uma conversa longa... Pois não haveria o que argumentar, já que as idéias, as atitudes e as vontades, seriam as mesmas.

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