O PAPEL É O MELHOR OUVINTE, PORQUE NÃO TE ESCUTA SÓ PRA ESPERAR A VEZ DE FALAR






domingo, 31 de julho de 2011

Baile de Máscaras

-por Carla Formigoni



Lá estava ela, com seus cabelos presos, deixando sua nuca à mostra levemente encoberta pelas pontas que se arqueavam na tentativa de formarem encantadores cachos dourados. Usava um vestido vermelho que acentuavam o desenho de seu corpo da maneira mais delicada combinando com a cor de seus lábios e de sua máscara, que apesar de encantadora, não parecia se encaixar direito com seu belo rosto. Assim como poucas máscaras do salão, esta parecia ter vindo diretamente de Veneza, contornando penetrantes e incrivelmente brilhantes olhos castanhos.
Observava cada olhar ao seu redor e, apesar de não enxergar as sobrancelhas, escondidas sob as máscaras, tentava decifrá-los. Enquanto alguns não necessitavam de muita observação, outros eram muito mais enigmáticos. Curiosa, caminhou até o espelho de moldura dourada, semelhante aos de época, e percebeu quão sincero era seu olhar. Tão sincero que praticamente a denunciava instantaneamente.

No primeiro momento, sentiu-se feliz. - “Dizem que os olhos são as janelas da alma, certo?”- pensou. Seu rosto foi levemente decorado por um leve sorriso, e então ela retornava ao centro do salão, onde muitos dançavam. Envolta por inúmeras beldades e grandes nomes, admirava poucos, conversava com alguns e cumprimentava todos (muitos a contragosto por assim dizer).

É claro que aqueles que não a despertavam carisma reconheciam tal fato no mesmo instante. E foi quando ela percebeu que o que a deixava feliz, agora a intrigava o suficiente para perder algumas músicas da festa e ser levada pelos pensamentos ali mesmo. Dera-se conta de que as mais conhecidas e bem sucedidas pessoas daquele local - como em todos os outros locais- eram as mesmas cujos olhos eram incompreensíveis. Entendera o porquê no mesmo instante. Como camaleões, camuflavam seus olhares, escondendo deste modo suas almas e a sinceridade destes.

Compreendera então suas dificuldades. Na vida, não eram admirados os mais sinceros olhares, mas sim as máscaras que mais perfeitamente se encaixavam ao rosto e à ocasião, naqueles que dançavam conforme a música.

sábado, 30 de julho de 2011

Sorria! Você tá sendo filmado!

-por Otávio Silva



Ele ouviu falar que sorrir era a melhor forma de causar uma boa primeira impressão em alguém. E como não se tem uma segunda chance de causar uma boa primeira impressão, ele sempre sorria ao conhecer alguém.

-O que você me pede chorando que eu não te faço sorrindo?

Era o que ele sempre dizia a elas, nos primeiros encontros, respondendo a qualquer tipo de pedido. Qualquer tipo de pedido: fútil, mimado ou manhoso. Ele conhecia esse tipo de pedido manhoso. Pedido que as mulheres fazem pra ver o que o homem é capaz de fazer por ela.

Ele sabia que os homens se guiam pela visão, e as mulheres, pelo que escutam. E também sabia que, em consequência disso, elas se pintam e maquiam, enquanto eles mentem. E falava tudo pra elas. Tudo que elas queriam ouvir. Segredos bobos inventados, sonhos infantis, histórias mirabolantes, vantagens mil. Gritava o amor aos quatro cantos, sussurrava sacanagens, ao gosto da freguesa...

E depois de enjoar delas, sumia como o Sol faz ao anoitecer. Devagar... Aos poucos... Encaminhava-se para o horizonte... Cada vez mais longe... Mais inalcançável... Deixando um rastro de luz por onde passava e as portas abertas para o próximo amanhecer. Pra ele, era essa a ordem natural dos fatos.



Ela ouviu falar que mulher tem é que saber se valorizar, porque todo homem é canalha o suficiente pra te machucar. Todo e qualquer homem nunca é bom o suficiente. Tem que provar que te merece!

-O que você me pede sorrindo que eu não te faço chorando?

Era o que ela poderia responder a eles, nos primeiros encontros. E ela lá era mulher de fazer tudo o que o homem quer? Ela era muito mais do que um rolinho qualquer. Tinha de se fazer de difícil: desmarcava várias vezes antes de saírem pela primeira vez.

E quando finalmente saíam, ela era fria, gélida. Não penteava o cabelo com as unhas, não inclinava o corpo na direção deles, não sorria fácil, não dava aberturas. Nenhuma.

Ela sabia que não deveria se arrastar atrás deles, nem demonstrar interesse, por que assim as coisas ficam simples demais para eles. E ela sabia que as mulheres devem complicar ao máximo. Sabia que os homens pensam que as mulheres são como notas de dinheiro: ninguém se arrepende de gastar um papel valendo dois reais. Mas aquela nota bonitinha, novinha valendo cem, que você quase nunca vê na carteira, realmente vai fazer falta!

E por isso, não se entregaria a dengos de um Dom Juan descartável. Não se entregaria pra depois chorar seu abandono.







Os dois achavam que as suas lágrimas não compram o sorriso um do outro.

domingo, 24 de julho de 2011

Calma alma minha, calminha... Você tem muito que aprender!

“Dentro de mim mora um grito. De noite, ele sai com suas garras, à caça de algo para amar”
(Sylvia Plath)


-por Otávio Silva


O que lhe leva a fazer as mesmas coisas de antes agora? O que lhe leva a algum lugar? Nada mais que a conveniência de estar vivo? Será que é tão conveniente assim?

Saí de mim durante o dia de ontem. Ainda enquanto eu dormia, acordei e saí de meu corpo. Descolei cada centímetro da matéria podre que adormecia na minha cama. Levantei devagar. Era bem mais leve andar assim: sem roupas de carne e osso. No lusco-fusco da manhã, a minha visão se acostumava com a ausência dos globos oculares.

Buscava com aquilo encontrar fora de mim o que procurava em outras pessoas. O que será que lhe falta de verdade? Coragem, vontade, concentração, foco? Às vezes, penso que isso tudo é o que mais sobra em mim mesmo.

Não vou atrás do que me é gêmeo: a lua crescente possui prontamente em si a outra metade minguante. É só uma questão de tempo e ponto de vista para que a metade vazia encontre a metade cheia nessa briga dos opostos. Já diziam os filósofos: o Amor nada mais é que a busca por aquilo que você não possui. Então, vamos lá!

Atravessei a janela do meu quarto como não faria um cínico e bobo lençol ambulante. Apesar da altura, o que eu tive é dificuldade de cair ao chão. Minha leveza me atrapalhava nessa questão. Eu tinha de fazer forças para não sair flutuando em direção ao Sol. Não era isso o que eu queria. Não agora.

Persegui as pessoas queridas. Corri atrás de todas elas, como nunca tinha corrido atrás de ninguém. Abraçava-as, mas elas, nem ao menos, me sentiam... Dizem que os olhos são a janela da alma... Entrei em corpos quaisquer que interagiam com elas. Abri bem as janelas, falei pelos olhos, identifiquei-me por de trás de retinas que se cobriam de lágrimas, cada vez mais e mais. Lágrimas que mais pareciam cortinas ou venezianas.

Fechavam a janela, trancavam a porta. As pessoas não olham mais nos olhos. Olhar para o sol de um dia ensolarado deve doer menos. As pessoas não se tocam mais. Talvez apertar a mão de um cacto seja mais fácil. Sentir o fedor intenso de uma grande cidade é muito mais tranquilo que sentir as emoções que lhe são proporcionadas. Eu tinha de sair daquelas salas escuras e, então, entrava em outras. Passeava por aí... Assim mesmo, sem rumo... De um corpo ao outro, tentando experimentar todos os pensamentos que eu nunca tive. Angústias, brigas e ansiedades que não eram minhas. Comemorações, risadas e felicidades que eu tomava emprestado. Devolveria um dia? Não sei.

De tudo um pouco. Invadia todos. No espelho, a mesma expressão sem rosto de quando você tapa os olhos para não sair em uma foto.

De moradores de rua a donos de bancos. De crianças de colo a senhores de bengala. Mulheres todas: baixas, altas, gordas, bonitas, feias, loiras, morenas, ruivas, grisalhas, freiras e putas. Canalhas, falastrões, carrancudos, altos, caras boa-pinta... Insanidade, as mesmas picuinhas, um pouco de todo tipo de preconceito. Uma pitada para todos os gostos. Obscenidades para todos os gestos.

Ladrões e assassinos são menos culpados. Estupradores e homens-bomba são mais perdoáveis. A lua chega ao céu bem antes do Sol partir. Sem pedir licença, às quatro da tarde, ela já está lá como quem lembra de sua própria existência apesar de seu tamanho muitas vezes inferior ao astro-rei.

Tamanho é documento? E o tamanho do documento que te incrimina, faz diferença? Um relatório inteiro de seus pensamentos, suas almas, seus espíritos, um scanner. Que curiosidade eu tenho! Mas enquanto isso, eu ainda dormia sentindo falta da minha própria essência. Tive que voltar, até a próxima... Ainda não é hora de partir!